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UNIVERSITY OF FLORIDA LIBRARIES T31iS \OJOLM'E -AS BEE. O( p3ESERV NATION. Date: LIVHARIA Lr.ALDADE Alvaro $.A Jvr-. & Cia. R. Eod VJi-a, 52 S. F/\LJLk EVARISTO DE MORAES A CAMPANHA ABOLICIONISTA (1879-1888) LIVRARIA EDITOR LEITE RIBEIRO FREITAS BASTOS, SPICER & CIA. Ruas: Bethencourt da Silva, 15, 17 e 19 e 13 de Malo. 74 c 76 RIO DE JANEIRO = 192:4 ~i~J~: 4r s' I~ -- e* I r "Il n'est pas, en histoire, de livre qui se suf- fise A lui-meme, qui suffise au lecteur. Le mien, comme les autres, suppose et exige d'autres lec- tures". (A. Aulard, HISTOIRE POLITIQUE DE LA REVO- LUTION FRANgAISE, pag. vii.) "L'historien n'a pas de parti-pris. Mais 1'his- torien ne prend-il le parti de la civilisation con- tre la barbarie, de 1'ordre centre le d4sordre, du bien centre le mal ; et qu'est-ce-que le bien, qu'est-ce-que le mal, qu'est-ce-que l'ordre, une convention, un pr6jug6? L'impartialit4, la sEr6- nitO, consistent-elles a n'en rien dire ?" (E. Roupain, POUR LIRE LES BEAUX LIVES, pag. 51.) "L'histoire manquerait a son but si elle ne cherchait dans le passe des avis et des lemons". (Albert Vandal, cit. por Beaunier, VISAGES D'HIER ET D'AUJOURD'HUI, pag. 72.) * "Les historians se m6prennent quand ils s'ap- pliquent avec tant de soin a montrer le com- ment des chosis qui n'a pas de sens par lui- meme, et negligent de rechercher le pourquoi, qui seul expliquerait tout." (Louis Bourdeau, L'HISTOIRE ET LES HISTO- RIENs, pag. 146.) "Ha, na Historia, lugar para todos os gran- des homes, sem calumniar a ninguem." (F. I. Home de Mello, A CONSTITUINTE PE- RANTE A HISTOBIA, pag. 26.) "Quem farA dentre os contemporaneos essa historic cor imparcialidade, justeza e penetra- gio, sem deixar entrar nella a paixio political, o preconceito sectario, a fascinacio ou sujeigio pessoal ? Ninguem, decerto, o que quer dizer que ha- vera no future diversas histories." (Joaqwim Nabuco, alludindo, na MINHA FOR- MAQAO, historic do movimento abolicionista, pag. 229.) "Ninguem, final, sabe quem fez mais pela aboligio; si a propaganda, si a resistencia; si os que queriam tudo, si os que queriam nada." (JoAQUIM NABcoo, mesma obra, pag. 233.) A CAMPANHA ABOLICIONISTA EFFEITOS DEMORADOS E APOUCADOS DA LEI DO VENTURE LIVRE. ABUSOS. REACQ1O ESCRAVOCRATICA. A lei de 28 de Setembro de 1871 popularmente co- nhecida por "lei do venture livre" f6ra posta em execu- gio no meio das tremendas apprehens6es dos que Ihe ti- nhaam combatido o project e das exageradas esperangas dos que a haviam preparado e defendido perante o corpo legislative e a opiniio public. Em verdade, como succede quasi sempre cor as reforms sociaes mais discutidas, a lei nio d6ra satisfacgo aos terrores de uns, nem aos anhe- los de outros. Certo, nio se verificou a geral insurrekdo dos escra- vos, temida pelo deputado Perdigio Malheiro, involuido para o escravismo em 1871; certo, nio entrou a desordfm nos nossos estabelecmnentos agricolas, segundo previra o bario da Villa da Barra; certo, nao recrudesceram a anarchia social e a miseria publica, agoiradas por Gama Cerqueira; tampouco sobrevieram os dias lugubres, com todo seu cor- tejo de crimes, horrors e scenes escandalaosas, imaginados dramaticamente por Jos6 de Alencar. Isto pelo aspect ne- gativo. Por outra parte: a march da libertago gradual, que a lei confiara ao fundo de cmancipagio e a generosidade des particulares, onze annos depois se revelava lenta e in- ef-icaz; a situagio dos que a lei fizera nascer livres in- certa. e cercada de perigos; o desleixo e o desrespeito no cumprimento da lei eram manifestos e inilludiveis. E 2 -2- Nao se supponha f6ra o relative fracasso da lei de- vido g falta de regulamentagio e de outros cuidados of- ficiaes. AlIm do decreto regulamentario da matricuc a espe- cial, expedido, a 1 de Dezembro de 1871, pelo ministry Theodoro Machado, e do regulamentario de toda a lei, datado de 13 de Novembro de 1872, assignado pelo mi- nistro Barros Barreto amboss do gabinete Rio Branco), forani sem numero os Avisos cor que o ultimo Ministro da Agriculture do mesmo gabinete, Costa Pereira, procu- rou obter a fiel execugio da lei. Nao cessou a actividade ministerial corn o novo Minis- tro da Agricultura, do gabinete presidido pelo duque de Caxias, Thomaz Coelho. Este, af6ra nova saraivada de Avisos referentes a lei de 1871, expediu o decreto de 20 de Setembro de 1876, que alterou algumas disposig6es attinentes ao fundo de emancipaCgo. Nao impediu, entretanto, tamanho e tko con- stante empenho governmental resultassem apoucados os effeitos da "lei do venture livre". (1) Ja em 1874, escrevia Andr6 Rebougas, cuja intrepida campanha apenas comegava: "Em material de emancipagio, temos uma lei fa- Iha e manca, triste e arrastadamente executada, e mais nada. Nas areas do Thezouro existem 4.000 contos do fundo de emancipaico por qualquer pretexto fiscal. Quatro mil homes ainda escravos por qualquer relaxagho administrative. SAt6 hoje, tres annos depois da lei, nem a mi- (1) Os propugnadores da lei nao queriam acreditar na sua inefficacia, tanto Ihes parecia ter sido ella a ultima palavra para extingcio do Capti- veiro, em prazo relativamente curto. Nabuco de Araujo, por exemplo, em sessio do Conselho de Estado de 1874. sinceramente diza que se Ihe afigurava impossivel nao bastar a let de 28 de Setembro para aquelle fim. (V. O DIREITO, vol. 88, pag. 289.) Ha quem interpretede no mesmo sentido a phrase pronunciada pelo visconde do Rio Branco, no seu leito de morte : "no perturbem a march do ele- mento servil". Os que assim pensam pretendem enxergar, nas palavras do promoter da lei, a condemnacIo do proceder de Joaquim Nabuco, que, entio, agitava na Camara a questio abolicionista. -3 - nima providencia sobre a educago dos inge- nuos e dos emancipados". (2) O jurisconsulto Carlos de Carvalho, quando, em 1881, *se propoz a deputagao geral, nio obstante ficar long do Abolicionismo, ponderava: "Mantida a economic da lei de 28 de Setem- bro, a escravidio entrari no seculo vindouro. Basta considerar que os nascidos a 27 de Setem- bro de 1871 sio escravos e que a fraude nio foi eliminada nas declara5ges dos nascimentos". Quanto & educagio dos ingenuos, ainda em 1886, num .discurso proferido na Camara dos Deputados (sessio do dia 8 de Maio), Benedicto Valladares orgam de agri- cultores anti-abolicionistas. confessava que ninguem della havia cogitado. (3) No anniversario da lei Rio Branco, em 1882, o JOR- ,NAL DO COMMERCIO, dando balango aos parcos proveitos *obtidos, ponderava: "0 resultado ha sido este; em onze annos, o Estado nio logrou manumittir senio 11.000 es- (2) V. obra de Andr6 Rebougas, AGRICULTURA NACIONAL (Propaganda Abolicionista e Democratica) contend escriptos de 1874 a 1883, pag. 190. (3) Nao menos precioso 6 o testemunho do provecto conselheiro Andr6 Augusto de Padua Fleury, insuspeito de tendencies abolicionistas. Prestouno elle, como deputado, nas vesperas de ser chamado para o mi- nisterio Paranagui. Disse, entao, referindo-se aos Ingenuos, como takes consi- ederados pela lei de 28 de Setembro: "Nao deve ser object de nossas reflexes a posigro desses menores desprotegidos, cujo numero augment todos os dias, e que ahi crescem sem educagro intellectual, religiosa e profissio- nal, entire seus pais escravos, e a sociedade, que os declarou li- vres, a elles, pobres orphios; mas nao os prepare para um dia occuparem a posigio que Ihes compete, e esquecer a injuria que recebem na violencia mantida contra aquelles que Ihes deram o nascimento?" S(Discurso de 10 de Maio de 1882.; Cumpre advertir que, a comecar do exercicio de 1877-1878, deveria ser ti- :rada do fundo de emancipagRo uma quota de 25 o0o, destinada ( educagio dos Ingenuos, e que essa quota foi orcada em 1.419:305$766, para o exercicio de -1881.1882. Corn ella, por4m, acontecia o mesmo que cor outras parties do fundo de emancipagro: tinha destino different. Por vezes, fizeram politicos do Imperio deprimentes allus6es a esses abuses. -4- cravos, ou a m6dia annual de 1.000, que equivale approximadamente a 0,7 010 sobre o algarismo m6dio da p9pulagio escrava existente no period de 1871 a 1882. E' evidentemente obra mequi- nha, que wo condiz d intensidade do intuito que a inspirou. Cor certeza, ninguem suspeitou, em 1871, que, ao cabo de tao long period, a huma- nitaria empreza do Estado tenha obtido este minguado fructo. (4) Como se vA, era geral o desanimo. Dir-se-ia que a re- forma, tao difficilmente levada a termo, illudira aos seus proprios obreiros!... Em 1883, o senador Christiano Benedicto Ottoni que, em 1871, tanto combatera o project Rio Branco, comegava as suas manifestae5es emancipadoras. Era elle quem affir- mava, em sessio da Camara a que pertencia, a 20 de Ju- nho daquelle anno: "0 fundo de emancipagio, nos terms em que estA instituido, NAo cOISA SERIA". E o demonstraiva, servindo-se de uma "especie de esta- tistica" que acompanhava o relatorio do Ministerio da Agriculture. De 1873 a 1882 foram manumittidos 70.183 escravos, mas, dentre os assim libertos, s6mente o foram pelo fundo de emancipagio 12.898. No mesmo period morre- ram 431.000 (isto no dizer da "estatistica", manifestamente errada, conforme veremos. (5). (4) O artigo de que extrahimos este trecho devia ter sido de Gusmao Lobo. Os servigos prestados A propaganda abolicionista por Gusmao Lobo nia foram menores do que os que elle prestou em 1871, ao lado de Rio Branco. Redactor acatado do JORNAL DO COMMERCIO, aproveitava-se da b6a vontade do velho Dr. Luiz de Castro, director da folha, e nao perdia vaza de auxiliar a causa dos captives. Nro s6 o fazia na parte ineditorial,' como na redactorial. (5) Um dos mais fervorosos admiradores do visconde do Rio Branco, no mais minucioso dos elogios historicos que a seu respeito foram produzidos logo ap6s A sua more, reconhecia, entretanto, que a lei nio estava sendo cum- prida. Foram textualmente estas as palavras do Dr. Rozendo Moniz Barreto: "Si o peculio dos eseravos estA A discrigio dos senhores; so a bondade destes e a iniciativa particular tmr feito dez vezes mais do que o fundo de emancipacAo e dez vezes menos do que a more; si o governor at6 agora nao attended seriamente A edu- caco dos ingenuos, fundando asylos apropriados; si a obriga io da matricula especial nio 6 rigorosamente cumprida; si ainda Adduzia, fundado em taes algarismos, o senador Ottoni: Este resultado, a meu ver, nos envergonha perante o mundo civilisado. Dissemos-1he pela lei de 28 de Setembro que o Estado procederia A emancipagio gradual da escravatura; e, em des- empenho desse compromisso, emancipamos 13.000, emquanto a morte liberta 431.000. REPUTO ISTO UMA VERGONHA TACTONAL. Seriam, por6m, exactos os algarismos relatives a morta- lidade dos escravos, no period citado? (6). Lendo-se o discurso do senador Ottoni, se nos deparam dados seguros para poder sustentar que a "estatistica" do Ministerio da Agricultura era fructo da illusio official. Cor o fim de se chegar Aquelle resultado, fez-se o calculo sob a taxa de 1 01, entio inferior a taxa da mortalidade de pes- -s6as livres, no Rio de Janeiro (4,11 010) e, ainda inferior a taxa da mortalidade nas cidades mais salubres (2 112 "1o). A que attribuir proporgio tio absurd quanto a escravos, riamos que Ihes foram fornecidos pelas annotag6es nos livros nDo ha estatistica do element servil, pela qual se coteje o nu- mevo doe nascimentos, obitos e alforrias; si a magistratura 6 cumplice de violagdes, consentindo na hasta public dos servigos dos ingenuos; si o poder competent, faltando aos seus compro- missos. se esquece de inspeceionar durante cinco annas os me- numittidos, afim de obrigal-os a contractarem sers servigos; st o governor ainda nao cogitou de estabelecer condic6es de traba- Iho para aquelles que se entreguem A ociosidade; si a lei parece menos um acto da soberania national do que uma transaegio do Estado cor os proprietarios de escravos; si todas as peas do mecanismo administrative n~o funccionam simultaneamente, por inepeia da autoridade, por insufficiencia dos meios coercitivos, allianga das mas paix5es, que especulam ate cor a pureza dos sentiments philantropicos; si tudo isto 4 exact, o present nao deve attribuir so passado errors que s6 a experiencia corrie, nem responsabilisar a lei por faltas de quantoe nao a executam plena e fielmente." Ora, isto era escripto em 188-... (6) Cor verdade incontestavel, dizia Joaquim Nabuco, no neu valioso discurso parlamentar de 4 de Setembro de 1880: "Ainda nro se conhece ao certo o numero de escravos que ha no Brasil. SAo elles verdadeiros rebanhos, levados A matricula nas col- lectorias. mas entregues unioamente ao senhor territorial. Paree que o Estado nio p6de ir alem das tranqueiras das fazendas e impb6 ao senhores a obrigagio de fornecer as eslarecimentos para o arrola- mento complete dos esoravos." - 6 - de matricula. Mas, eases livros nio continham a verdade, no, tocante A mortalidade dos escravos, como nao a continham. quanto a outras circumstancias. Em muitas fazendas, como era notorio, existiam cemite- oios privados, nos quaes se sepultavam os escravos. Nem sem- pre se dava participagao aos vigarios, cujos assentamentos. parochiaes constituiam, atW 1888, o nosso unico registro civil. E aos vigarios incumbia fazer as communicag6es para serem. averbadas nos livros de matricula... (7) * * Abusos de outra especie vinham sendo praticados con- tra o texto e o espirito da lei de 1871. Era dos mais graves: o que consistia na "venda dos ingenuos" ou dos seus "servi- gos futures" o que, na pratica, valia o mesmo. Prescre-- vera claramente o artigo 91 do decreto regulamentario nu- mero 5.135, de 13 de Novembro de 1872, a intransferencia dos servigos dos ingenuos. A despeito disto, eram frequentes, ate certa 6poca, an- nuncios da venda de taes servings, si e que nio exprimiam a dos proprios ingenuos. Exemplo: um edital de praga judi- cial a a ser realizada em Valenca, no decorrer do anno de 1882. Ao mesmo tempo que se leiloavam africanos manifes- tamente importados depois da ]ei de 1831, e, portanto, livres,. annunciava-se a venda de uma rapariga, Marcellina, de 10' annos de idade. A proposito deste edital, dirigiu Joaquim Nabuco ao,. entAo, president do Conselho, marquez de Paranagua, ener- gico protest, em o qual dizia: "Este edital de Valenga abre uma pagina tris- tissima na historic do Brasil. A comecar a ven- da, por editaes ou sem elles, dos servings dos inge- nuos, a lei de 28 de Setembro sera em breve repu- (7) Em 1870 se cogitou a serio do regastro civil, no decreto n. 1.827, de- 9 de Setembro. 0 regulamento pars dito fin foi decretado a 25 de Abril der 1874 (n. 5.604). Mas e6 a 7 de Margo de 1888 fol- mandado cumprlr tal regu- lamento, cor alterag6es constantes do decreto a. 9.886 daquells data. -7- tada pelo mundo como de todas a mais mopstruosa mentira a que uma nagio jamais recorreu para es- conder um crime." Cumpre, agora, tentar a explicagko destes e de ou- tros desfallecimentos na execucio da lei do venture livre. Para n6s, derivaram de varias causes. Primeira: o descanso dos vencedores de 1871, que se tinham amodorrado, confiando nas virtudes da lei emancipa- dora. Parecia-lhes que tio perfeito organismo se expandiria naturalmente, sem necessidade de cultural e de vigilancia. Segunda: a natural reacgco dos vencidos, que, em- bora se houvessem subordinado a derrota, nio punham o me- nor empenho no cumprimento da lei, persistindo, pelo con- trario, na pratica de actos abusivos, inveterados pelo costume e tolerados pelo compadresco de autoridades subalternas. Terceira: o mal entendido antagonismo partidario, que levAra os liberals, sahidos do ostracismo em 1878, a nio se interessarem pela execucio da lei conservadora. Quarta: a falta de verdadeira opiniio public, favo- ravel a causa dos escravos, capaz de exercer funccio fiscali- sadora. Signees bem caracteristicos da terceira causa vamos apontar, de reliance. Advindo a situago liberal em 1878, corn o ministerio presidido por Sinimbu (8), foi, sob os auspicios deste, con- vocado um Congresso Agricola do Sul, a que concorreram proprietarios de milhares de escravos. Pois bem; tudo quanto de mais acc6rde se disse em tal Congress, cor patente approvagko do seu ministerial pro- motor, foi contrario aos interesses dos captives. (9) Mesmo mal e escassamente executada, a lei de 28 de Se- tembro se afigurava, no dizer dos Congressistas, ruinosa aos interesses da lavoura!... (8) Visconde de Sinimbe (Joio Lins Cansansio de Sinimbu), senador. (9) Quem representou, no citado Congresso, o pensamento escravocra- tico dos fazendeiros do municipio de GuaratinguetA foi o dr. Rodrigues Alves, depois deputado geral, conselheiro, president da provincia de Paulo, minis- tro e president da Repubica. -8- No anno seu:nte, estando ainda no poder o ministerio Sinimbu, continuaram os fazendeiros a sua pressao reaccio- naria, reclamande nova legislagio repressive dos crimes com- mettidos pelo3 escravos, por j5 nio Ihes parecer sufficient a lei exceptional de 10 de Junho de 1835 (10). As queixas form ouvidas corn benevolencia pelo go- verno, e o ministry da Justica, Lafayette Rodrigues Pereira, apresentou, na sessio da Camara dos Deputados de 21 de Fe- vereiro, um project de lei tendente a adopgio da pena de prisio cellular (at6 15 annos), substituindo a de gal6s, quan- do applicavel a escravos, mantida a de morte, sem appella- g o. para os cases da lei de 1835. Vale a pena conhecer o motive da suhftituiio de penalidade e como se julgava ir ao encontro dos votos dos fazendeiros: a pena de gal.s, si bem que several, nao era intimidate (pensava Lafayette) para os escravos, porque estes nao enxergavam nella maior sujei- gdo do que a do captiveiro em que viviam... A pena de pri- sio cellular, comn isolamento e silencio absolute durante os cinco primeiros annos, se Ihe afigurava, portanto, efficaz. No mesmo dia da apreseutapgo do expressive project, pronunciava o deputado liberal, Antonio Moreira de Barros, de S. Paulo, apavorante discurso, que bem traduzia o espi- rito escravocratico da 6poca. Eis um trecho significativo: "0 Governo, vindo a Camera pedir uma nova lei, os senhores se reunindo nas provincias e pe- dindo' ao governor novas penas, os jornaes, a seu turno, reclamando, tudo isto convince de que nio dispomos de meios, e isto s6 faz augmentar as revoltas. E' um grave inconvenient para o paiz. Systems desta ordem nio podem ser analysa- dos a luz da civilisagio modern; nio se p6dem discutir pelos jornaes. Nio 6 cor o system ordi- nario de penalidade, nio 6 corn principios philan- thropicos, que todos n6s conhecemos, que podemos sustentar a existencia desse facto, que se tern in- (10) V. o capitulo "A eecravidlo em juizo". -9- stituido como direito. Temos o fact; devemos acceitar as consequencias". (11) Sete annos depois dos memoraveis debates acerca do pro- jecto-Rio Branco, procurava o liberalism escravocratico, sem motive plausi-vel, tornar mais afflictiva a condigio dos escravos. (12) Mas foi provavelmente essa mesma pressao, vinda dos latifundios de S. Paulo, Minas e Rio, que produziu o renas- cimento e a transformagio das ideas emancipadoras. (11) A attitude de Moreira de Barros, grande fazendeiro em Taubat,, agra- dou tanto a Sinimbu, que este, mezes depois, o chamon para o ministerio. (12) Esqueciam os liberaes "no poder" o seu programma de 1869, quando "na opposiaio"... Em tal programma, subscripto pelos pr6ceres do partido, tinham-se compromettido a trabalhar pela "liberdade de tantos milhares de ho- mens que viviam na oppressio e na humilhalio". (V. "A. Brasiliense", Os PROGRAMMAS DOS PARTIDOS DO 2 IMPERIO, pags. 43-44). INICIO DA CAMPANHA PARLAMENTAR PELA ABOLICXO. PRIMEIRAS MANIFESTAQgES. ACQAO LEGISLATIVE NAS PROVINCIAL. Cumpre, antes de tudo, mostrar o character do novo mo- vimento emancipador, a mudanga radical de orientago que se operou nas ideas libertadoras. Aproveitemos palavras de Joaquim Nabuco, que assignalam superiormente as tres pha- ses, pelas quaes passou, entire n6s, a campanha a favor dos escravos: "A primeira opposigko national a escravidio foi promovida tio s6mente contra o trafico. Pre- tendia-se supprimir a escravidio lentamente, pro- hibindo a importagio de novos escravos. A' vista da espantosa mortalidade dessa classes, dizia-se que a escravatura, uma vez extincto o viveiro in- exgotavel da Africa, iria sendo pr:gressivamente diminuida pela morte, apezar dos nascimentos. Acabada a importagio de Africanos pela ener- gia e decision de Euzebio de Querroz e pela von- tade tenaz do Imperador o qual chegou a dizer em despacho que preferia perder a Cor6a a con- sentir na continuagio do trafico (13) seguiu-se a deportagIo dos traficantes e 6 lei de 4 de Setembro de 1850 uma calmaria profunda. Esse period de (18) Notorio e muito sabido foi que o Imperador, reagindo contra lem- brancas e instancias de various gabinetes, sempre recustra titulos nobilarchicos a antigos tralicantes de escravos, mostrandc, assim, a aversao que tivera ao trafico. - 12 - cansaco ou de satisfagio pela obra realisada - em todo caso, de indifferenga absolute pela sorte da populagpo escrava durou atW depois da guer- ra do Paraguay, quando a escravidao teve de dar e perder outra batalha. Essa segunda opposiglo que a escravidio soffreu, como tambem a pri- meira, nio foi um ataque ao acampamento do ini- migo para tirar-lhe os prisioneiros, mas uma li- mitagfo apenas do territorio sujeito as suas cor- rerias e depredacges. Com effeito, no fim de uma crise political permanent, que durou de 1866 atW 1871, foi promulgada a lei de 28 de Setembro, a qual respeitou o principio de inviolabilidade do dominio do senhor sobre o escravo, e nio ousou penetrar, como si fora um local sagrado, interdicto ao proprio Estado, nos ergastulos agrarioa; e de novo, esse grande Fsforgo de um organksmo de- bilitado para minorar a medo as consequencias da gangrena que o invadia, succedeu outra calmaria da opiniio, outra 6poca de indifferenga pela sorte do escravo, durante a qual o governor poude mesmo se esquecer de cumprir a lei que havia feito pas- sar. Foi s6mente oito annos depois que essa apa- thia comegou a ser modificada e se levantou uma terceira opposicgo a escravidio, desta vez nio contra os seus interesses de expansIo, como era o trafico, ou as suas esperangas, como a fecundida- de da mulher escrava, mas directamente contra suas posses, contra a legalidade e a legitimidade de seus direitos, contra o escandalo da sua existencia em um paiz civilisado e a sua perspective de em- brutecer o ingenuo na mesma senzala onde embru- tecera o-escravo. Em 1850, queria-se supprimir a escravidio, acabando o trafico; em 1871, libertan- do-se desde o bergo, mas de facto depois de vintee um annos de idade, os filhos de escrava ainda por nascer; hoje, quer-se supprimil-a, emancipando os escravos em massa e resgatando os ingenuos da - 13 - servidio da lei de 28 de Setembro. E' este ultimo movimento que se chama Abolicionismo, e s6 este resolve o verdadeiro problema dos escravos, que 6 a sua propria liberdade". Ter o inicio da nova campanha data precisamente fixa- da, pelo menos qu'anto a accio parlamentar, que precedeu a popular. Ainda a Nahuco irrecusavel autoridade no assumpto - vamos pedir noticia dessa data inesquecivel. Eil-a, extra- hida do discurso por elle proferido, na Camera dos Depu- tados, a 2 de Setembro de 1880: "Parecia ir-se formando um partido abolicio- nista, cujos soldados pouco a pouco se arregimen- tavam, desde o dia em que o nobre deputado pela Bahia Sr. Jeronymo Sodrd proclamou, nod a emancipagdo gradual, a emancipagdo transigindo corn os interesses conservadorew do paiz, mas a emancdpagdo immediate e prompta" Percorrimos os AhN-AES. O "dia memoravel" a que allu- diu Nabuco foi o de 5 de Margo de 1879. Discutia-se, na Ca- mara, o orgamento do Imperio. Pediu a palavra o citado representante da Bahia, professor na Faculdade de Medi- cina da sua provincial, e fez profissio de f6 abolicionista. Forga 6 convir em que nho causou o discurso de Jerony- mo Sodrg extraordinaria impressio, no meio parlamentar. Mas e incontestavel que foi o primeiro brado em favor da aboligdo, sem condigoes, nem delongas. Pela novidade da sua iniciativa naquelle mlomento de reacgao escravista, mereceu atteng6es da imprensa e, notadamente, da GAZETA DE NOTI- ciAS, dirigida por Ferreira de Araujo (que foi, at6 o final da campanha, aliada do Abolicionismo). * * - 14 - No anno seguinte, irrompe, no debate civilisador, a voz mais portentosa e mais influence que o illuminou decade o co- mego, nunca esmorecendo no decurso de oito annos. (14) Referimo-nos a Joaquim Nabuco. Nelle tudo contribuia para a consagragio de um orador parlamentar: figure, porte esbelto, physionomia insinuativa, delicadeza de gestos, edu- cagio literaria, habitos de b6a sociedade, voz cheia e son6ra. Vinha, al6m disso, precedido da fama de viajado, que, enitre n6s, sempre acarreta certa vantage. Difficilmente eleito por Pernambuco, onde, ao que pa- reoe, nio agradaram, decade logo, as suas maneiras distinctas e suspeitas de aristocracismo, apparecia no Parlamento pela primeira vez. (15) Trazia a grave responsabilidade do grande nome paterno e a predestinagho dos servings A calusa da emancipagio. Sylvio Romero, que, em 1881, em um surto de severi- dade critical, atacara a oratoria e a orientacio de Nabuco, teve, annos depois, de fazer justiga ao seu papel proeminente na reform abolicionista. Sio do notavel polygrapho brasileiro estas palavras: "Essa bella figure de intellectual teve a felici- dade de nascer dotado das mais apuradas facul- (14) Antes de tomar assento na Camara dos Deputados, Joaquim Nabuco ji havia dito, em uma festa civic: "A grande questfo para a democracia bra- sileira nio 6 a Monarchia, 6 a Escravidao". Estava ahi, previamente tragada, a linha de conduct de today a sua vida public. Quando estudante, no Recife e em S. Paulo, ji d6ra Nabuco significativas mostras da sua dedicag o aos captives, defendendo alguns delles perante o tri- bunal popular. Verdade incontestavel encerram, pois, estas palavras de Constancio Alves, escriptas por occasifo da morte de Joaquim Nabtco: "A sua carreira political comegou pela advocacia dos capti- vosi que nunca tiveram melhor patrono, nem pela sinceridade, nem pela eloquencia, nem pelo espirito de sacrificio". (FIGURAS, 1921, pag. 110). (15) O proprio Nabuco francamente confessou em que condicfes fSra eleito, sem nenhum esforgo pessoal. O pae, o eminente conselheiro Nabuco, so morrer, em Marco de 1878, deixara-o recommendado ao prestigloso chefe liberal de Pernambuco, Domingos de Souza Leio, bario de Villa Bella. Este, cum- prindo promeeaa feita, sustentou a. candidatura do filho do amigo. Demais, a ella prestou o concurso da influencia official o conselheiro Adolpho de Barros, president da provincial, que, depois, vindo para o Rio, se associou, tambem, & campanha abolicionista. Da actividade oratoria de Joaquim Nabuco no primeiro anno da sua vida parlamentar da minrclosa noticia o seu biography Henrique Coelho, em obra editada ultimamente. (V. JOAQUIM NABUCO, "esboco bio- graphico", 1922, pages. 58 e seg.) - 15 - dades para o manejo da palavra escripta e da pa- lavra fallada. Teve mais a ventura de surgir no Parlamento quando o ultimo acto, o acto final e definitive da aboligo da escravidao, ia entrar em scena. Seu pae j] tipha morido; mas, quando o joven Nabuco assomou pela primeira vez na tribune, quem teve o olhos para ver e ouvidos para ouvir,- percebeu de chofre que a figure do velko parlamentar tinha reapparecido engrandecida." (V. PnovocAg6ES E DEBATES, 1910, pag. 64). o ... .. o. ...... .. ... ....... .. . Penetremos a origem da vocagio de Joaquim Nabuco. Guardou elle proprio nitida lembranga do seu primeiro con- tacto cor a Escravidio. Foi no engenho de Massangana, no municipio pernam- bucano do Cabo, onde elle passou a sua meninice, ao lado da madrinha. A pu sagem e evocada nestes terms, que se po- deriam utilisar para descripgo de quasi todos os "engenhos" do Norte, naquella Apoca: "A populagio do pequeno dominion, inteiramen- te fechado a qualquer ingerencia de f6ra, como todos os outros feudos da escravidto, compunha- se de escravos, distribuidos pelos compartimentos da senzala, o grande pombal negro, ao lado da casa de morada, e rendeiros, ligados ao proprieta- rio pelo beneficio da casa de barro que os agasa- lhava on da pequena cultural que elle thes consen- tia em suas terras. No centro do pequeno canto de escravos, levantava-se a residencia do senhor, olhando para os edifieios da moagem, e tendo por traz, em uma ondulagio do terreno, a capella sob invocago de S. Matheus." Ali se fincou no espirito de Nabuco a impressio dura- doura da abominavel situacgo do captive, impresslo que, na - 16 - sua propria maneira de dizer, decidiu do emprego ulterior da sua vida: (16) "Eu estava, numa tarde, sentado no patamar da escada exterior da casa, quando vejo precipi- tar-se para mini um joven negro desconhecido, de cerca de dezoito annos, o qual se abraga a meus p6s supplicando-me pelo amor de Deus que o fi- zesse comprar por minha madrinha para me ser- vir. Elle vinha das vizinhangas, procurando mu- dar de senhor, porque o delle, dizia-me, o casti- gava e elle tinha fugido corn risco de vida. Foi este o trago inesperado que me descobriu a natureza da instituigio corn a qual eu vivera, atW entio, familiarmente e sem suspeitar a d6r que ella occultava". Estava no poder o ministerio de 28 de Margo, presidido pelo senador Jose Antonio Saraiva. (17) A 24 de Agosto, pediu Nabuco fosse consultada a Ca- mara si concedia urgencia para, na sexta-feira proxima (26), ser fundamentado um project sobre a extincgio complete do element servil. Vinha o project assignado, tambem, por Jeronymo Sodr6 e Marcolino Moura. A Camara, sem prevengio, concede a pedida urgencia. Por indiscrig6es jor- (16) Disse Nabuco, de si mesmo, do seu constant apostolado abolicio- nista: "Quem 6 home de letras avalia bem esse sacrificio de concentrar as faeuldades creadoras do pensamento em numa obra exclusive, da qual se comeCa por fazer uma religion, e se acaba tendo feito uma vida." Effectivamente, dada a Abolicio, Nabuco, quanto A influencia na vida social, nunca mali foi quem dantes era. Fallecen em Janeiro de 1910. Convem l1r, na REVISTA AMERICANA, a conferencia de Magalhbes de Azeredc, realizada na Universidade de Roma, e o artigo de Domicio da Gama, em que se encontram bons elements para a psychologia do grande tribune e li- terato (Anno I, n. 6, e anno II, n. 2). E, tambem: Graga Aranha, Machado de Assis e Joaquim Nabuco, 1928, pages. 7 96. (17) A primeira funcqao public, de character politico, na qual se viu in- vestido Saraiva, foi a de president da provincia do Piauhy, em 1850. Eleito deputado geral em 1858, teve seu mandato renovado nas seguintes legislatures. Em 1867, foi escolhido senador pela sua provincial a Bahia. Administrou va- rias provincial, alum do Piauhy: Alag6as em 1858, S. Paulo em 1854, Pernam- buco em 1859. At seer chamado a presidir o Conselho de ministros em 1880 (28 de Margo) tinha sido, jA, ministry trees vezes: na pasta da Marinha, em 1857, corn o marquez de Olinda; em 1861, na pasta do Imperio, cor Luiz Alves de Lima (duque de Caxias); em 1865, nas pastas de Estrangeiros, Marinha e Guerra, de novo sob a presidencia do marquez de Olinda. -17 - nalisticas se soube que uma disposicio do project determi- nava a abolicio total no prazo de 10 annos. Agitou-se a opi- niio public, havendo manifestacges de sympathia por par- te da imprensa. Saraiva, no moment s6mente preoccupado corn refor- mar a lei eleitoral, alarmou-se, prevendo forte tempestade que o desviaria da rota preestabelecida, e manobrou no sen- tido de evitar a apresentagio do project. Cor este fito, fez chicana: promoveu a falta de numero no dia escolhido por Nabuco, eexta-feira, 26. Toda gente sentiu o golpe ministerial, e mais do que todos o ardente deputado pernambucano, directamente of- fendido. No dia 30, voltou elle A tribune e pronunciou o primeiro dos seus formidaveis discursos abolicionistas. Interpellou o governor e o leader da maioria, Martinho Campos, para que Ihe dissessem, franca e abertamente, si ti- nham enxergado perigo na urgencia, jd concedida, e si ha- viam, apropositadamente, levado a Camara ao recio, tradu- zido pela falta de numero no dia aprazado. Mostrou-se disposto a acceitar meios brands para con- secuqco do seu fim a emancipagio total mas paten- teou toda sua revolt deante do piano de abafamento. Vale a pena transcrever alguns topicos da oragio de Nabuco: "Na questko da emancipagio, na conviccio de que 6 precise caminhar alim da lei de 28 de Setembro, eu me separaria, nio s6 do gabinete, nho s6 do partido liberal, nio s6 da opiniio pu- blica e da conspiragio geral do paiz, mas de tu- do e de todos. Neste ponto fago uma alliance corn o futu- ro. Cada anno sera uma victoria das nossas id6as e, daqui a dez annos, a sessio de hoje ha de apparecer como um desses exemplos historicos das divisbes, dos temores e receios dos homes que recuam sempre das grandes medidas salva- doras, que transformam a face do paiz. - 18 - Digo-o corn today franqueza: nao esti no po- der do nobre president do Conselho impedir que essa media se realise; nio estf no poder de nenhum gabinete sombra transitoria que nio ter realidade, creagao da phantasia do Impera- dor opp6r-se a decretagio de uma media des- ta ordem, quando esse mesmo soberano entender que chegou a hora de conferir a milhio e meio de escravos, que trabaiham no seu paiz, o beneficio da liberdade". "A despeito de todas as resistencias do go- verno, da Camara dos Deputados e do Senado, unidos contra n6s; a despeito da conspiragio de todos os interesses creados pelo trabalho do pro- prio escravo contra sua liberdade, uma acgho mads poderosa, que 4 a attracgio do paiz pelas grande .~rgas moraes do nosso seculo, ha de fazer que um dia essa mesma lei diga aos homes que hoje sus- tenitam a escravidfo e nio querem que se Ihe to- que cor receio de que sem ella o paiz succumba: nSo ha mais escravos no Brasil!"... Houve ruidosos applausos nas galerias, os primeiros cor que foi saudada, no iecinto do Parlamento, a idea abolicio- nista. Presidia a Camara o !visconde de Prados, deputado por Minas Geraes, que reclamou silencio e mandou ler, pelo secretario, os artigos do regimento prohibitivos de taes ma- nifestag6es. Perseguido nos vehementes apartes, responded Martinho de Campos como poude, procurando cobrir o governor. - Por seu lado, declarou-se escravocrata, e confessou que, em, 1871, se puzera a frente dos seus colleges fazendeiros, combatendo o project Rio Branco, e s6 nfo o fizera da tri- buna parlamentar por estar, ento, afastado da Camara. Posto, de novo, em votagao, o pedido de urgeicia, foi, por 77 votos, rejeitado. Votaram a favor: Saldanha Mari- nho e Costa Azevedo (Amazonas), Joaquim Serra (Mara- nhio), Manoel Carlos (Parahyba do Norte), Beltrio (Per. - 19 - mambuco), Costa Ribeiro (idem), Joaquim Tavares (idem), *Jos6 Mariano (idem), Souza Carvalho (idem), Barros Pi- mentel (Sergipe), Jeronymo Sodre (Bahia), Marcolino .Moura (idem), Freitas Coutinho (Rio de Janeiro) Frederi- ..co Rego (idem), Correia Rabello (Minas Geraes) e Fer- nando Osorio (Rio Grande do Sul). Ao todo'dezeseis. (18) A viravolta da Camara, sob pressio ministerial, produ- ziu escandalo, de que foi echo a GAZETA DE NoTICIAs, a qual, embora nio estivesse em complete accSrdo com a formula .abolicionista proposta por Nabuco, atacou violentamente o president do Conselho e os que se curvaram is suas injun- cg5es. No dia 6 de Setembro, ainda publicou a GAZETA, acerca .do assumpto, vigoroso artigo do seu collaborador Jos6 do .Patiocinio, sob o pseudonymo, depois immortalisado, de .Proud-homme. Quatro dias antes vi6ra A Camara o president do Con- ,selho e diss6ra, sem reserve, o seu pensamento: nada aRancar alem da execugio da ]ei de 28 de Setembro de 1871, promettendo, apenas, ampliar o fundo de emancipagqo, corn a indispensavel ajuda do legislative. Tenttra improficuamente Joaquim Nalbuco fazer passar ,emendas ao orgamento da receita, references a prohibigio .do trafico inter-provincial, ao augmento do fundo de eman- cipagao etc. (Sessao de 4 de Setembro) (19). E' de justiga lembrar uma tentative directamente eman- Aipadora, partida de um deputado que, conformne ji vimos e .anais adeante veremos, estava long de ser abolicionista. Dias antes do incident da urgencia requerida por Nbuco (a 12 de Agosto), o deputado por S. Paulo Antonio Mo- reira de Barros retomara uma idea que, em 1854, havia in- :spirado Joao Mauricio Wanderley, depois barAo de Cote- gipe. JA Aquella 6poca, Wanderley pretendera evitar o tra- fico inter-provincial de escravos, immobilisando a escrava- tura nas provincias em que ella estivesse estabelecida. (18) 0 primitive nucleo do Abolicionismo parlamentar era constituido por poucos: Jeronymo Sodr6, Nabuco, .Joaquim Serra (que, na imprensa, tambem trabalhou sem cessar, durante toda a campanha), Sancho de Barros Pimentel, .Manoel Pedro Cardoso Vieira, deputado pela Parahyba do Norte (morto prema- turamente, logo no inicio da agitacio), Correa Rabello e Marcolino Moura. (19) V. discurso no cit. esbogo biographico de H. Coelho, pag. 185 e segs. - 20- Apresentou no mesmo sentido Moreira de Barros, court o concurso dos seus companheiros de bancada Cruz Taman- dare e Aquino e Castro, o seguinte project: "Fica prohibido, sob as penas da lei n. 581, de 4 de Setembro de 1850, o commercio e trans- porte de escravos de umas para outras provincias- Exceptuam-se os que mudarem-se em companhia dos respectivos senhores, ou viajarem cor elles, em numero marcado em regulamento pelo Go- verno". Nio teve andamento o project. Mais feliz foi o deputado provincial do Rio de Janeiro" Dr. Luiz Carlos Fr6es da Cruz, submettendo, corn o mes- mo fim, embora por meio indirecto, um project a. respecti- va assembly legislative. A 17 de Dezembro de 1880 era lei, sendo sanccionada pelo president da Provincia, conselhei- ro Jolo Marcellino de Souza Gonzaga. Ainda e do mesmo anno uma valiosa manifestagIo abo- licionista, a do eminente jurista e polygrapho Candido, Mendes de Almeida, o qual, na tribune do Senado, se decla- rou adepto da libertagio dos escravos, recordando, so mes- mo tempo, que, desde sua mocidade, tivera ideas emancipa- doras. Do anno seguinte (23 de Janeiro) data a lei paulista,. identica & do Estado do Rio, com o intuito de vedar o tra- fico inter-provincial. O imposto de introducgio era o mesmo da Provincia do Rio de Janeiro 2:000$000 por escravo. :MOVIMENTO POPULAR ABOLICIONISTA. A TRIBUNE E 0 JOURNAL. A CONFEDERAQAO ABOLICIONISTA. Ao tempo em que se iniciava a acgao parlamentar de Joaquim Nabuco, causando srrias apprehens6es aos proprie- tarios ruraes, era a propaganda abolicionista feita popular- mente, procurando um grupo de patriots agitar em favor dos escravos a opiniio public. Em 1880, vemos, principal- mente, collaborando neste empenho a SooIEDADE BRASILEI. ,CONTRA A EscoAvIDXo, cuja presidencia f8ra dada ao proprio Nabuco, e a AssooIAgio CENIRAL EMANcIPADORA, animada pelo grande espirito de Nicolio Moreira. Ambas dirigiram SNagco manifestos cheios de ponderaveis arguments. Foi publicado o manifesto da Associagio Central Eman- .cipadora no BOLETIM n. 1, da mesma Associagio, em data de. 26 de Setembro de 1880. Trazia a assignatura do seu au- -tor, Nicolio Moreira. O manifesto da outra associagio, obra excellent de Joaquim Nabuco, publicado a mesma .6poca, teve edi5ges franceza e ingleza. Da edigio ingleza foram enviados alguns exemplares a', ministry plenipotenciario dos Estados Unidos, Sr. Hen- ry Washington Hilliard, 4ue se sabia ter sido convertido A causa da libertagio dos escravos pela propria experiencia. Toi cordialissima a resposta do diplomat norte-americano. Resolveram, entio, os abolicionistas offerecer-lhe um 'banquete, que marcou data memoravel nos annaes da propa- ;ganda, quer pela importancia do homenageado, quer pela concorrencia de certas pessoas, que assim mostraram franca c~dhesao A campanha emprehendida. -22- Eis como Andr6 Rebougas annunciava a festa, na GA- ZETA DA TARDE (20 de Novembro): BANQUETE ABOLICIONISTA Desde Jesus, desde o Divine Mestre, os Evangelhos de Paz e de Caridade, de Liberdade, de Igualdade e de, Fraternidade, sio iniciados em torno de uma mesa. Pela primeira vez a Famnlia Abolicinista. Brasieira reune-se hoje para distribuir o sagra- do pfo da Eucharistia em favor dos que soffrem~ nos ferros do captiveiro. Nio p6de ser mais solenne a occasiio. O ministry americano, o venerando Henry Washington Hilliard, outrora senhor de escravos, praticou o sublime acto de abnegagIo de aconse- lhar aos brasileiros que se livrassem, qunato an-- tes, da nefanda Escravidfo, causa das maiores. desgragas que soffreu sua grande e amada Patria. Este acto de rarissima virtude commoveu a todos- os homes de coragio; a Famiia Abolicionista Brasieira, na effusio ineffavel dos mais cordiaes sentiments de gratidio, procurou dar-lhe a mais alta prova de seu eterno reconhecimento. Tal 6 a verdadeira significago da festa de- hoje. Esse banquet reunirk 50 abolicionistas; mas,. em torno delles, estario, em espirito, 1.500.000 ir- maos & espera do deliciosissimo pio da liberdade. Estarf o mundo inteiro, que anhela pela vi-- ctoria do auspicioso commettimento da Democra- cia Brasileira. Ubi Spirituw Domini ibi Libertas. E o proprio Deus de Justiga, de Equidade, de Liberdade, de Igualdade e de Fraternidade- estar4 present, para abengoar os Livres em fa-' vor dos Escravos". - 23 - Foi servido o banquet no salio de honra do Hotel dos Estrangeiros, o mais aristocratic da 6poca. Compareceram deputados, jornalistas, negociantes, jui- zes, advogados, medicos, engenheiros, professors, emfim, representantes das chamadas "classes dirigentes". Em um dos brindes, j6 observava Joaquim Serra que o movimento abolicionista ia tendo repercussio nas provin- cias do Park, do Maranhio, do Ceari, de Pernambuco, da Bahis e do Rio Grande do Sul. Em outro brinde, Vicente de Souza revelou que o depu- tad.) Jeronymo Sodr6 (o mesmo que, primeiro, agitou, na Camara, a id6a abolicionista) renunciara a heranga paterna, visto ser constituida por escravos e product de trabalho es- cravo. Sem custo se imagine a impressio causada, no espirito public, por uma festa tAo altamente suggestive, da qual de- ram os jornaes desenvolvidas noticias. Por seu lado, promoveu a Associgao Central Emancipa- dora conferencias abolicionistas, cor franca admissio do povo, no Theatro S. Luiz, cedido pelos gdnerosos empreza- rios, actors Mattos e Dias Braga. Teve a primeira conferencia, effectuada a 25 de Julho de 1880, por orador o Dr. Vicente de Souza (20), com a pre- senca do maestro Carlos Gomes, dias antes chegado ao Rio de Janeiro. A 10 de Agosto, por pedido do maestro, o citado ora- dor occupou a tribune, em outra conferencia, cujo product -- resultante de contribuig6es voluntarias f6ra destinado a liberdade da escrava Margarida, que, na Bahia, servira de "ama secca" a um filho de Carlos Gomes. Em succassivas conferencias falaram: Lopes Trovio, Jos6 do Patrocinio, Ubaldino do Amaral, o academic de di- reito Joko Brazil Silvado, Antonio Teixeira da Rocha, Cyro de Azevedo. Mello Moraes Filho, Arthur Brazilio e Placido de Abreu diziam versos. (20) A 28 de Marco de 1879, antes, portanto, das donferencias promovidas pela AssociagRo Central Emancipadora, JA *Vicente de Souza pronunciara um discurso, no mesmo Theatro, acerca do Imperio e a Esravidio. - 4- - D. Cacilda de Souza, esposa de Vicente de Souza, can- tava. Cedo demonstraram os seus sentiments albolicionistas muitos musicistas. Enrte elles cram mais prestantes: Arthur Camillo, J. P. Normandia, J. B. Martini, o eximio flautista Couto, Aliverti, Horacio Fluminense, Viriato Figueira da Silva, Gustavo Faller, Lopes de Oliveira e o amador Augus- to Goldschmidt (depois nota-vel advogado no f6ro desta Ca- pital). A 30 de Outubro comecou a ser publicado o orgam da Sociedade Brasileira contra a Escravidio, sob o titulo O ABOICIONISTA. O bario de Cotegipe, da tribune do Senado, chamou a attengio do governor para o impressionante movimento, aconselhando repressio. Nfo foi attendido o conselho, mesmo porque a repressio s6 attingiria, absurdamente, as ideas dos abolicionista que, em verdade, nio praticavam actos criminosos. As conferencias continuadas sem interruplio atW 1881 eram assistidas por abolicionistas combatentes e por muitas pess6as, ji entro, sympathicas ao movimento. Destacavaan-se, por sua constancia: o general Beaure- paire Rohan; o venerando ex-deputado e notavel jornalista Dr. Joaquim Francisco Alves Branco Muniz Barreto, pre- sidente honorario da "Sociedade Brasileira contra a Escra- vidiao", que, apezar de midito velho e cego, nunca faltava; o deputado Marcolino Moura, companheiro de Nabuco na campanha parlamentar da Aboligio; o engenheiro Jose Americo dos Santos, secretario da citada Sociedade; Julio da Silveira Lobo, thezoureiro da "Associagio Central Eman- cipadora"; Ferreira de Menezes, o grande jornalista da GA- zETA DA TARDE, 'que publicava resumes das conferencias; os socios fundadores da "Sociedade Emancipadora Academica de S. Paulo", Joio Baptista Marques e Augusto Marques, (23); o president da "Sociedade Emancipadora da Escola 121) Foi a Emancipadora Academica, uma das primeiras associac8es ver- dadeiramente abolicionistas. Sua fundacio 6 de 1880. Joio Marques, um dos iniciadores, certa feita lembrou os nomes d'alguns outros: SA Vianna, Felinto Bastos, Oscar Pederneiras, Joio Francisco Barcel- los, Atgusto Marques, Cyro de Azevedo, Brazil Silvado. Na Faculdade de Direito de S. Paulo, quando mats ardente la a cam- panha abolicionista, em 1884, fundou-se, ainda, o "Grupo Abolicionista Acade- -25 - Polytechnica", engenheiro Antonio F. de Castilho, filho de Jos4 Feliciano de Castilho, o grande collaborador de Rio Branco; Frederico Fr6es; Joio Clapp, negociante, que de- pois tambem se dedicou & propaganda libertadora; Campos Porto, secretario do ."Club Central Abolicionista do Ria- chuelo"; Paula Ney, fundador de sociedades abolicionistas no Ceari. Acompanhava, de perto, com muito enthusiasm, o mo- vimento abolicionista o ex-deputado, depois independent jornalista, Jos6 Maria do Amaral, em quem se reuniam, ain- da, os dotes de inspirado poeta e profundo philosophy. Per- sonalidade originalissima. Era, apezar de se ter prematura- mente afastado do servigo public, muito chegado ao Impe- rador, que, alias, nio desconhecia as suas ideas republicans. Foi em conversa cor Jos6 Maria do Amaral que, certa vez, Pedro II se disse, tambem, republican (22)... Demorimos nossa attengio nestes nomes, porque 4 sem Ir,, interessante, para a Historia, conhecer os primeiros ade- ptos de umna idea, os primeiros crentes de uma fN, os primei- ros emprehendedores de uma obra util i collectividade. Digna de lembranga, pela influencia reflexa que exer- ceii aqui, foi a festival recepgio feita a Joaquim Nabuco em Portugal. Partira elle para Europa no fim de 1880. A 8 de Ja- neiro de 1881 estava em Lisb6a e visitava a Camara dos Deputados. Saudou-o, em nome do Parlamento Portuguez, mico", que publicou um periodic, A Onda, no qual collaboraram, entire outros, Rivadavia Cbrreia, Coelho Netto, Raul Pompeia e Bittencourt Sampaio. Teve a iniciativa da fundacgo do "Grupo" o academic Edmundo Muniz Barreto, que concitou as seus companheiros a promoverem a libertagio dos escravos residen- tes nas visinhangas da Faculdade o que foi realisado. (22) Jose Maria do Amaral era filho do notavel jornalista (contempora- neo e emulo de Evaristo da Veiga), Antonio Jos6 do Amaral, famoso redactor da Astrda, periodic publicado no Rio, desde 1826 atW 1832. V. Compendio de Bistoria da Literatura Brasilcira, por Sylvio Romero e Joao Ribeiro, 2a ed., pags. 508 e segs., no qual se encontram mais alguns dados acerca de Jos6 Ma- ria do Amaral. Era irmio do provecto director geral da secretariat do Ministerio de Es- trangeiros, Joaquim Thomaz do Amaral (visconde de Cabo Frio) e de Angelo Thomaz do Amaral, que foi deputado em varias legislatures e tambem se dis- tinguiu como habil publicista. - 26 - o eloquentissimo Antonio Candido, que frisou o papel de Nabuco como abolicionista (23). Telegrammas, vindos para o Rio, provocaram grande contentamento: a causa comeCa- va a interessar o estrangeiro. Dizia Ramalho Ortigio, em correspondencia enviada i, GAZETA DE NOTICIAs e aqui publicada a 21 de Fevereiro: "Nunca estrangeiro conquistou mais rapidamente as sympa- thias de Lisb6a do que Joaquim Nabuco". Regozijava-se Ramalho por ver Nabuco tio cordialmen- te recebido, na sua qualidade de "libertador de uma raga". Da mesma f6rma se manifestava, enthusiasmado, Pinheiro Chagas, na revista OCCIDENm (n. de Janeiro de 1881). Transcrevia trechos do discurso de Antonio Candido, esco- Ihendo os que diziam respeito ao Abolicionismo. Vinha sendo feita a campanha abolicionista desde 1879, na GAZETA DA TARDE, dirigida, atW 1881, por Ferreira de Me- nezes. escriptor de raro talent (24). Formado em direito, exercia, tambem, com grande bri- Iho, mas sem grades vantagens, a profissio de advogado. Comegira, na grande imprensa, como folhetinista do JORNAL DO COMMERCIO, passando, na mesma qualidade, para a GAZETA DE NOTIIAs, onde o fora encontrar Jos4 do Pa- trocinio, em 1877. Depois fundou a GAZETA DA TABDE. (28) Outro deputado, Julio de Vilhena, propoz que se solicitasse do governor a suppressio do castigo de varadas nas pracas de pret e nos individLos a ellas equiparados, como homenagem A visit de Nabuco, "mostrando, assim, que era comprehendida a nobre causa por elle pleiteada". (24) Como Reboucas, Patrocinio e Vicente de Souza, era mulato. Em uma especie de libello accusatorio, escripto pelo sabio Dr. Joao Ba- ptista de Lacerda, director do Museu Nacional, contra a moralidade dos mulatos, nao poude elle esconder que taes mesticos representaram important papel na campanha abolicionista. Diz, mesmo, que facil lhe seria citar os nomes de al- guns mais celebres que se puzeram A frente do movimento libertador. E accres- centa: is combatirent avec fermet6, avec intr6pidit6, par la press, a la tri- bune des conferences publiques; Ils effronterent avec courage leI plus brands perils aulquels leur vie se trouvait exposee, luttant contre lee pulsants pre. priftafres d'esclaves qui se trouvalent protdgs par lee gouvernements coner- vatenrs" Valha-nos isto, pois, pelo menos attenua o que o mesmo illustre scientist escrevdra acerca dos mulatos, paginas antes: "Au point de vue moral, cependant, on doit avouer que l'on ne peut se fier avetglement A leur loyaut6, ni A leur probity". (Sur le m6tis au BresUl, communication preseunte au Premier Congr4e Universel des races, 1911, page. 14, 15, 17). -27 - Morrendo Ferreira de Menezes, em Junho de 1881, Pa- trocinio que, por sua vez, sahira da GAZETA. DE NoTIcIAS, assumiu a direcaio da GAZETA DA TARDE, da qual se tornou proprietario. *! Da acgio intense de J6s6 do Patrocinio no Abolicionis- mo diremos depois, mais de espaco. Cercavam Patrocinio na redaccfo e na reportagem da GAZETA DA TARDE: Luiz de Andrade, Julio de Lemos, Gon- zaga Duque-Estrada, Campos Porto, Leite Ribeiro (25), Dias da Cruz. Era gerente da GAZETA Jolo Ferreira Serpa Junior. Secundava a GAZETA DA TARDE uma revista semanal de caricaturas, que nio deve ficar no olvido, taes foram os seus servigos a causa abolicionista: a REVISTA ILLUSTRADA, de Angelo Agostini. Sempre manifestando ideas liberaes e adeantadas, ado- ptara o principio do Abolicionismo, nao s6 fazendo, sob essa inspiragio, a critical caricatural dos ministros e dos politicos em evidencia, como dando, pela imagem, noticia de todos ,s factos que pudessem favorecer a propaganda. Ajudavam activamente Angelo Agostini: o caricaturis- ta Pereira Netto, os jornalistas Jos6 Ribeiro Dantas Junior (prematuramente morto) e Luiz de Andrade, que chegou a director da IREVISTA, mantendo o mesmo programma aboli- cionista. Nestas reminiscencias do inicio da propaganda, cumpre destacar um incident, que se nos imp6e pela importancia da personalidade post em debate. Tratamos de Sylvio Ro- mero e da ogerisa que, durante quasi toda a campanha abo- licionista, manifestaram por elle os propagandistas. (25) O conhecido politico, ex-intendente municipal, ex-Prefeito, hoje livreiro editor muito estimado. Elle mesmo, ao agradecer um banquet corn que f6ra homenageado por amigos e homes de letras, recordou esta phase da sua vida, dizendo: ....... ... .... .... ... ... .... ..... ...... ..... .* .. .... ... ... ... "Alistei-me na legiao dos que na memoravel Gazeta da Tarde, sob a chefia do grande Patrocinio, combateram, at6 o triumph, pela extincao do captiveiro, a men vOr a cruzada mais brilhante, mais sacrosanta de quantas registra a historic brasi- leira". (O Mundo Literaro, anno I, vol. 80, pag. 287). - 28 - Espirito de largo descortino, nio 4 licito supper vives- se divorciado da tendencia emancipadora que dominou a opi- niio national, ora mais, ora menos, desde 1871 atW ao des- fecho pela Aboligo. Em toda sua vasta obra literaria, elle se nos patenteia reconhecedor do decisive concurso prestado pela raga negra A civilisacio do Brasil. Conforme em capitulo especial ve- rificaremos, foi elle quem, primeiro, censurou o injusto me- nosprego em que f6ra deixada essa raga, quanto aos estudos scientificos das suas origens, linguas, usos e costumes (26). Em uma das suas obras iniciaes A LrTERATURA BRASILEIRA E A CRITICAL MODERN (1880), dedica Sylvio al- guma s paginas (48 a 53) a demonstracio da. influencia da raga negra, sobrepujando a da indigena, na formagio do povo brasileiro. Ainda no citado anno, volta ao assumpto, cor as mes- mas idWas, no seu estudo A Poesia Popular no Brasil, vinda na REVISTA BRASILEIRA. Repete o que dissera: "A raga afri- cana tem tido no Brasil uma influencia enorme, s6mente in- ferior a importancia da portugueza. Ella nio actuou s6- mente, como o caboclo, na vida por assim dizer exterior; foi :alm, penetrou em nossa vida intima, e por ella moldoa- se em grande parte nossa 1isychologia popular. O europeu julgou-se fraco para repellir o selvagem e para o amanho das terras e recnrreu a um auxiliar poderoso: o africano". "A escravidio operou como factor social, modificando nossa psychologia, nossos habitos e nossos costumes. Habi- litou-nos, por outro lado, a arrotear as terras e supporter em descango as agruras do clima. Desenvolveu-se como fa- ctor economic, produzindo as nossas riquezas, e o negro foi, assim, um robusto agent civilisador". (cit. Revista, T. Vi, 1880, pags. 157-158). (26) Nio f8ra ouvido o conselho do sabio Fr. Camillo de Monserrate, re- clamando, opport.namente, a attengdo dos espeeialistas para takes estudos. Escrevia Fr. Camillo no meiado do seculo 19o, quando ainda era poeslvel eolher elementss director" pois existiam milhares de africanos, pertencentes As Arias naqges que tinham sido victimaa da cobiga escravista. - 29 - Por isso mesmo, Sylvio queria a libertaio dos escravos. "Libertemos os negros; porque os devemos considerar os desafortunados que nos ajudaram a ter fortune; os captives que nos auxiliaram na conquista da liberdade; os ignorantes que nos fa- cilitaram a posse da civilisagio, e hoje offerecem o ensejo de praticarmos um acto nobre a liber- tacio dos escravos". (Mesma Revista vol. VII, 1881, pag. 39). Ainda nesse anno, na INTRoDaUCCO i HISTORIA DA Li- TERATURA BRASILEIA, publicada na alludida Revista, repro- duz as observages acerca dos servigos da raga negra, e com- menta: "E' pena que essa raga energica tenha soffri- do o lab6o da escravidio. Fago aqui, tambem, de novo, um voto em prol da sua libertaggo complete e para que reivindique o seu logar na nossa histo- ria. Havia outros meios de utilisar o negro, sem aviltal-o". (Vol. IX, pag. 479). Antes, no mesmo volume e no mesmo trabalho, falara Sylvio no pagamento da grande divida do Brasil para corn r negro, cumprindo ser feito tal pagamento pela emancipa- gio, tomando-se "medidas seguras, efficazes e amplas", (pag. 210). Precisamos, pois, conhecer o motivo da forte zanga que separou Sylvio dos abolicionistas militants, e que alimen- tou a prevengio reinante contra elle. Haverg, ahi, muitos propagandistas jA esquecidos, ou ignorantes, da razio de ter sido elle excommungado por es- cravocrata.. Foram os abolicionistas apaixonadamente injustos, como, em regra, succede a todos que se inflammam por um ideal, nao admittindo, no seu gremio, sinio os extremados, os intransigentes, os que acreditam semi discutir. Ora, Syl- - 30 - vio sempre foi por demais discutidor, para acceitar ideas feitas e solugSes intangiv.is. D'ahi o dissidio. Havia elle, no comego de 1881, promettido uma confe- rencia ao nucleo inicial dos pioneiros populares do Aboli- cionismo. Entrementes, em um daquelles impetos de critical mordaz que Ihe eram peculiares, escreveu para a REVISTA BRasinETRA um artigo sob a epigraphe A QUESTAO DO DIA - a emancipagdo dos escravos (27), no qual, estudando as diversas maneiras de resolver o problema, condemnava a proposta pelos abolicionistas radicaes, e menosprezava a accio parlamentar de Joaquim Nabuco, tido em exceptional estima pelos alludidos propagandists. Pendia Sylvio Ro- mero para a solugCo particular, domestic, individuaistica. do problema, sem direct intervengdo do Estado. Assim pensava- "0 melhor meio de se acabar cor a escravidio nio 6 formular projects absurdos e combina- g5es legislativas engenhosas. O melhor meio de acabal-a 6 cerceal-a, p81-a em estado de sitio, estabelecer corn ella a concorrencia, tornal-a inutil, e depois nociva e impossivel. E' fazer crescer a seu lado o trabalho livre, mais fecundo, e depois mais facil, mais barato; 6, em uma palavra, matal-a economicamente". Parecia-lhe que o governor nio decretaria a libertaglo dos escravos, nem tal Ihe cumpria, porque: "o governor 6 uma simples forga de policiamento, e nada mais; nao p6de ser here, nao p6de ser li- bertador". Para provar o seu asserto apresentava um argument: a lei de 28 de Setembro pouco havia adeantado, emquanto a "munificencia national se desenvolfia de mais em mais, augmentando, dia a dia, o numero de libertos". Concluia; "N6s mesmos aprenderemos a andar, sem que o poder nos ensine". (REVISTA cit. vol. VII, pages. 191 e seguintes). (27) Foi reproduzido nos Ensaios de Critica Parlamentar, 1888, page. 157 - 178. -31 - Era uma opinilo de critic e um programma de politi- co. A orientagio spencereana se mostrava em plena luz. Sylvio foi, toda sua vida, acc6rde cor este pendamento indi- viduolistico: o Estado nio deve, directamente, pretender a resolil-go dos problems sociaes-economicos. Sem dar por isto, o notavel polygrapho, tomando atti- tude contra os abolicionistas radicaes, em 1881, repetia o gesto de Jos6 de Alencar contra os emancipadores de 1871. O famoso autor do Guarany, quando deputado, combatendo o projecto-Rio Branco, tambem entendia que era desne- cessaria a intervengco legal, bastando "o melhoraanento dos costumes, a generosidade do character brasileiro". Esperava, tambem, Jos6 de Alencar a emancipaio dos escravos "do desenvolvimento da nossa regeneragio, independentemente dos esforgos do governor e das declamag6es dos propagan- distas". (Discurso, na Camara, de 10 de Julho do cit. anno). Nfo 6 logar proprio para demonstrar o engano dos dois alevantados espiritos. A mais dolorosa e prolongada expe- riencia ter convencido de que, nos problems em que o sen- timosto altruistico collide com interesses economics, nio ha porque confiar na expontaneidade individual, em impulses pessoaes, raramente humanitarios. A intervengo direct do poder public 6 necessaria, ao menos para estimular. Basta ter present o que se passava corn os operarios, a despeito das reclamag6es dos philanthropos, emquanto a chamada legis- lagRo social nio os veio livrar do complete desconforto, do traba]ho brutalisante e immoral, da miseria sordida, em que cs mantinha a grande industrial. A legislagio modificou o deploravel estado de coisas e animou a iniciativa individual. Mas, deixemos este debate, que nio vem a p8llo e nos leva- ria long. Continuemos a nossa simples exposigo. Foram os abolicionistas, como diss6mos, injustos para com Sylvio Romero, classificatido-o escraocrata. Ha, po- r6m, explicagio plausivel para a aspereza corn que os pro- pagandistas responderam ( apresentagio do seu system in- dividualistlco. - 32 - Como succedia sempre, Aquelle 6poca, o critic se exce- diCra; nali:ira As ponderag6es raciocinadas e de elevada inspi- raC~o insinuag6es impolidas e aggress6es pessoaes. Ainda daquella feita, f6ra Sylvio o provocador. Qua- lificsra Nabuco pedantocrata. Alludira as "declamagces in- genuas e inoffensivas de um ou outro sang a ile, transfor- mado de chofre em vidente e director da opinion publica. Comprehende-se que na ultima phrase ia lamentavel re- ferencia a Jos6 do Patrocinio, Andrd Rebougas e Vicente de Souza, os tres gloriosos mulatos que se tinham posto a fren- te do movimento. Como remate, em instant de descabido orgulho, da- va-se o critic sergipano por mais competent para discutir o assumpto, na qualidade de representante do espirito civi- lisddor europou... Tudo isto envenenou a discussion. (Ao sang mele e a este final os abolicionistas podiam responder a Sylvio cor a admiraglo reverenciosa, quasi cul- tual, delle pelo mulato Tobias Barreto) (28). Felizmente, para o renome do inesquecivel literate, con o perpassar do tempo, suas preveng6es contra os abolicionis- tas se modificaram. Em 1888, escrevendo acerca da lei 13 de Maio, que acabava de ser promulgada, rendeu homena- gem aos lutadores da primeirs hora e procurou justificar sua attitude de 1881. Em relacgo a Joaquim Nabuco, tio duramente tratado Aquella 6poca, vimos como mudou de opinion. Vejamos como apreciou, no moment do desfecho da lu- ta, a accio dos primeiros trabalhadores: (28) N[o foi Tobias o unico mulato tido em grande conta por Sylvio Ro- mnero. Em mais de uma obra, elle enalteceu as qualidades intellectuals es s ter- vigos prestados ao Brasil pelos mestigos do bronco e do preto. No prefacio que escreveu para uma obra de Tito Livio de Castro, disse: "Os quatro representantes maximos das ragas cruzadas no Brasil, neste seculo, foram Andre Reboucas, Jos6 do Patrocinio, Tobias Barreto e Tito Livio de Cas- tro". (V. A mulher e a Sociogenia, pag. XXXI). No Compendlo de Historia da Literatura Brasileira, feito de collabora- io cor Joao Ribeiro, salientou, mats uma vez, a importancia da contribuirio da raga negra para o amalgam da nossa nacionalidade, e, falando dos mesti- cos, apontou toda uma s6rie de notaveis oradores, jornalistas, jurisconsultos, poe- tas, artistas-musicaes. (Obra cit., 2A ed. pags. L e LI). Outra manifestago significativa do verdadeiro pensamento de Sylvio se nos depara na carinhosa maneira de tratar a Cruz e Souza, no Ltvro do Cen- tenario (1900). - 33 - "De 1880 em acante a montanha comegou a baquear de uma vez, e o que fez rolar a primeira podra do geral desmoronamento foi o Sr. Joa- quim Nabuco, apresentando, naquelle anno, o seu project de um prazo de dez annos para a extin- cgio complete do captiveiro. Do parlamento passou logo a pugna para a imprensa; foram se formando as sociedades abo- licionistas. Os Srs. Vicente de Souza, JoLo Clapp, Jos6 do Patrocinio, Andre Reboucas, Ennes de Souza e Nicolio Moreira tomaram a frente da propaganda intransigente". (Prolovo da 1a edigho da HISTORIA DA Li- TERATURA BRASILEIRA) (29): Tinham-se multiplicado, em tres annos, as sociedades abolicionistas. Pensou-se em reunir as do Municipio Neutro e as de Nictheroy em vasta associagko, sem quebra da auto- nomia de cada uma. Cor este fim foram convocados para uma r3uniio na sala principal da redacgco da GAZETA DA TARDE, no dia 10 de Maio de 1883, os representantes.das se- guintes aggremiacges: Brasileira contra a Escravidko, Emancipadora da Escola Militar, Libertadora Pernambuca- na (da mesma Escola), Club dos Libertos de Nictheroy, Centro Abolicionista Ferreira de Menezes, Club Bittencourt Sampaio, Sociedade Abolicionista Cearense, Club Abolicio- nista Guttemberg, Caixa Libertadora Jos6 do Patrocinio, Caixa Libertadora Joaquim Nabuco. A essas sociedades se juntou o Grande Oriente Brasi- leiro (Magonaria), que, dcsde o tempo da presidencia do vis- conde do Rio Branco, tinha torado active parte na campa- nha libertadora. (29) Para com Jos6 do Patrocinio, em cspccial, Sylvio Romero tambem tove, devois, cxpress6es que compensararn a ferina allusSo de 1881. Assim foi, principalmente, quando Patrocinio morreu. Rcconhecendo que elle, "na campanha abolicionista f6ra a figure princi- pal', cstudou rapidamonte a sua personalidade como jornalista, como roman- cista, como orador, como politico. Quanto a acgio de Patrocinio- na sociedade, affirmou ter sido elle "r.m dos bcmcfitores do nosso povo". (V. Outros Estudos de Literatura Contemporanea, 1905, pag. 281). E 4 - 34- Prop6z Jos6 do Patrocinio, e foi acceito, que todas as sociedades alludidas e outras que quizessem adherir formas- sem a CONFEDERAQAO ABOLICIONISTA. Foi, no mesmo dia, nomeada a commission executive, constituida por: Joao Clapp, Dr. Andr6 Rebougas, Dr. Bittencourt Sampaio, Dr. Joio Paulo Gomes de Mattos, Julio de Le- mos, Alberto Victor, tenente do Exercito Manoel Joaquim Pereira, Eduardo Nogueira, Dr. Pio Brazil, Jos6 dos San- tos Oliveira, Jarbas F. das Chagas e Domingos Gomes dos Santos (o Radical). Ficou composto o corpo deliberative de: Aristides Lobo, Frederico Junior, Joao Augusto de Pi- nho, Pedro Pinto Baptista, Evaristo Rodrigues da Costa, Luiz Pires, Joao Ferreira Serpa Junior, Procopio Russell, Dr. Leonel Jaguaribe, Adolpho Ebster Junior, capitho Emiliano Rosa de Senna, Abel da Trindade, tenente do Exercito Nabuco de Araujo, Jos6 de Arimath6a e Silva, Luiz Rodrigues da Silva, Eugenio Bittencourt, Antonio S. do Brazil. Jos6 Maria Barreiros, Jose Maria da Costa, J. Campos Porto, Jos6 do Patrocinio, Dr. Jos6 Americo dos Santos e Miguel Dias. J.os6 do Patrocinio. Aristides Lobo e Rebougas (30) fi- caram incumbidos de redigir o manifesto, que deveria ser apresentado ao Corpo Legislativo, pedindo solugcd radical para o problema do Captiveiro. Foi lido tal manifesto em sess.o solenne, realisada em o dia 26 de Agosto, no Theatro D. Pedro II, na rua da Guarda Velha, hoje rua 13 de Maio. (30) A personalidade, por mais de um titulo, notavel de Andre Rebougas (filho do famoso rabula-jurisconsulto, quasi preto, que o Imperador fizera dou- torar por decreto, Antonio Pereira Rebougas), resalta, pintada ao vivo, de pa- pinas carinhosas de Joaquim Nabuco. amigo fiel e extremado delle, no livro Minha Formagio (234-240) Eis algumas linhas expressivas: "Da AboicRo elle foi o maior, nio pela acgo exterior, ou influencia direct sobre o nomento, mas pela forga e altura da projeclo cerebral, pela rotagio vertiginosa de ideas e sensac5es em torno do eixo consumidor e caudante, que era para elle o Fof- frimento do escravo". Ainda no tempo da campanha, dedicando a Rebougas o opusculo em que publicava o discurso proferido, no Theatro Polytheama, a 22 de Junho de 1884, Joaquim Nabuco qualificava-o: "abolicionista cujo nome express a dedicagco absolute a nossa causa commum; cujo desinteresse nao tern a nogco de oacri- ficio; cujo coragao tornou-se o de uma raga inteira: cheio de perdio para o passado, de magnanimidade para o present e de uma infinita esperanga para o future". Quando Rebougas morreu, Constancio Alves, em artigo finamente burilado, depois de p6r em realce todas as suas qualidades de espirito e de coracgo, disse, corn profunda verdade: "E' ao abolicionista principalmente que todos honram hoje corn saudades e lagrimas" (V. Figuras, 1921, pag. 21). - 35 - E' trabalho de valor innegavel, em que se destaca, corn precisko, a parte devida a Andrg Rebougas, contend solidos argumentos, sempre por elle empregados, no sentido de de- anonstrar quanto a Escravidio era ruinosa A vida economic do paiz e quio inferior ao trabalho livre era o trabalho es- -mico, foi, desde o comego, muito vantajosa 6 propaganda .abolicionista, porque provocava reflexes dos espiritos pra- .ticos, fechados k emogio, mostrando-lhes a feigio utilitaria ,da reform. A observagio da superioridade do trabalho livre vinha, -alias, sendo feita desde muito. Antes das conhecidas demon- stragSes dos economists Joao Baptista Say, e Molinari, J. J. Virey, igualmente insuspeito de sentimentalismo, na sua .abundante HISTOIRE NATURELLE DUT GENRE HUMAIN (T. II, pags. 70-71, nota) publicada no primeiro quartel do seculo passado, aproveitara, cor o mesmo intuito, a experiencia dos :Estados Unidos, depois sempre alludida (31). Entre n6s, qucm mais insistiu no argument foi Rebougas, que reuniu seus trabalhos, nete sentido, at6 1883, no livro AGRIcuL- "TUBA NAcioSL Estudos Economicos, Propaganda Abo- .licionista e Democratica, ja citado. Outros seguiram o mesmo caminho, nio s6 theoricamen- te, como praticamente, sendo merecedores de mengao Pedro *Gordilho, Zozimo Barroso, o professor da nossa Escola Po- lytechnica Luiz Couty (32), o abalisado economist e agrono- :mo portuguez Domingos Maria Gongalves, e, antes de todos, -o fazendeiro bahiano Dr. Joao Garcez dos Santos. Andr6 Rebougas, cuja collaboragio na propaganda abo- licionista ia do concurso intellectual e moral ao concurso pecuniario, quasi constant, assim mostrou, no manifesto, ,que nio se tratava de sonho ou phantasia ,de poetas, sem ne- :nhum senso pratico. (31) Contemporaneo de Virey, Bentham produziu arguments iguaes, que 'podem ser lidos no s'eu profundo Trait6 de Legislation Civile et PNnale, trad. de Dumont, T. I, pag. 102. (32) V. de Couty, a obra L'Esclavage an Br6sil. E, ainda: o capitulo Con. tlius5es deste livro. - 36 - Af6ra esta part, continha o manifesto a recapitulagao de todas as lutas emprehendidas, em beneficio da misery raga captiva, ao principio para obter a extincgio do trafico, depois para alcancar a libertagio do venture. Finalmente, ameagava os legisladores, si ficassem inertes com o irrompimento da revolug o, dizendo: "A obra da ci- vilizacio se ha de effectuar cegamente". Desde entio, toda a propaganda libertadora foi, mais ou menos, dirigida pela Confederagio Abolicionista, e esta movimentada por um grupo de associados, entire os quaes forga 6 destacar: Jos6 do Patrocinio, Joio Clapp, Domin- gos Gomes dos Santos (o Radical), Serpa Junior. Promovia a Confederagko conferencias, kermesses, bene- ficios theatraes, concertos, a favor da libertagio dos escra- vos. Era ella que, junto aos poderes publicos, reclamava con- tra os. abusos do Captiveiro, e, perante a Justiga, pleiteava ou protegia a causa dos escravos. Para ella convergiam todas as b6as vontades e todas as energies, sem distincgo de partidos politicos, de seitas re- ligiosas, de classes sociaes. A par da intervengho propriamente legal da Confede- rago Abolicionista, em favor dos a que ella chamava "escra- visados", era notavel a sua acgo extra-legal, fundada, ape- nas, na nobre coragem dos seus membros e na consciencia, que tinham, da infamia tolerada pelos poderes publicos. Da segunda maneira era a ajuda 6 fuga de escravos, ao seu acoutamento, ao seu transport. No -Rio de Janeiro foram sendo conhecidas as casas em que os fugidos encontravam protecqo e asylo. Ernesto Senna, esforgado trabalhador do Abolicionismo, guardou para a Historia os nomes d'alguns protectores de escravos, que affrontavam os "senhores" e a policia, dando agasalho aos fugidos. Eram, entire outros: Seixas Magalhies, negociante de malas, estabelecido a rua Gongalves Dias, possuidor de uma grande chacara no Leblon, onde havia verdadeiro quilombo; - 37 - Evaristo Rodrigues da Costa, negociante, estabelecido corn typographia na travessa do Ouvidor, resident na rua Ge- neral Caldwell, o qual acolhia os egressos do .captiveiro, tan- to na sua casa de commercio, como na sua moradia; o capi- tio Emiliano Rosa de Senna. sogro de Jose do Patrocinio, morador em S. Christovio; Guilherme Candido Pinheiro, negociante, estabelecido corn padaria na rua da Misericor- dia; o capitio C6rte Real, escrivao, morador a rua Conde de Bomfim; D. Luiza Rega.das;, cantora, que prestou innu- ineros servigos a propaganda, moradora no largo da MKe do Bispo; Henrique de Araujo Lima, resident na rua Bella de S. Joio; Serpa Junior, tambem morador em S. Chris- tovio; o Dr. Cesar Marques, pae do Dr. Joho Marques, morador A rua Miguel de Frias; D. Gabriella Caldeira, so- gra de Ernesto Senna, a mesma rua; Miguel Dias, residen- te em Catumby, e o proprio Ernesto Senna, que morava em S. Christovio, ajudado pelo irmio Jos6 Senna (33). Estava a Confederacgo em correspondencia constant corn abolicionistas das provincias, fazendo intercambio de f!auto-emancipados". De S. Paulo eram elles enviados para o Rio pelos abo- licionistas Antonio Bento, Gaspar da Silva, (jornalista por- tuguez), Raul Pomp6a, Luiz Murat e outros. Refere ainda o bem informado Ernesto Senna que a remessa era precedi- da de um telegramma, assim redigido: "Segue bagagem trem". "Os escravisados continuea Senna) eram prevenidos de que se dirigissem na estacgo Cen- tral ao cavalheiro que trouxesse 6 lapella do pa- litot uma camelia branch, dando-lhe a senha Raid e que, tendo como resposta Serpa, podiam se jul- gar garatidos". (33) A esta list de esconderijos cumpre accrescentar dois: a casa do offi- cial de Marinha reformado, depois tabellio, Grabriel Cruz, em Jacarepaguf; 0 sitio da Taquara (na Baixada Pluminense) do dedicado republican Esteves Ju- nior. Iturbides Esteves, entao muito joven, era quem para o litimo conduzia os esapos do captiveiro. - 38 - Quem, geralmente, recebia, na Central, os escravos fu- gidos era Serpa Junior, companheiro de Jos6 do Patrocinio' e gerente da GAZETA DA TARDE. Quando, aqui se tornava impossivel libertar algum escra- vo, procedente de S. Paulo ou das duas outras provincias: negreiras (Minas e Rio de Janeiro) era enviado para o' Norte, principalmente para o Ceari, entregue aos cuidados de Joao Cordeiro, ou dos Drs. Frederico Borges; Justinia-- no Serpa, Antonio Pinto de Mendonca e Joao Lopes; para. Pernambuco, corn recommendacgo a Joao Ramos; para o Ma- ranhho, "oonsignado" ao commendador Augusto Marques. Al6m dos que, desde o inicio, foram sustentaculos dae Confederacgo, a ella se aggregaram muitos outros abolicio- nistas, cujos nomes chegaram at6 n6s, por constantes refe- rencias e pratica repetida de actos valiosos: Luiz de Andra-- de, o ji citado redactor da GAZETA DA TARDE e da REVISrA.. ILLUSTRADA (morreu, ha poucos annos, como bibliothecario' do Senado); o guarda-livros Jeronymo SimSes; Ignacio von. Doelinger; Raymundo Pereira de Souza, grande encobridor- de escravos fugidos, que sacrificava todo seu bem estar ti causa dos captives; Rubem Tavares; Manoel Maria de- Beaurepaire Pinto Peixoto; Joio Villa Nova; professor' Luiz Reis; Dr. Campos da Paz; Isaias de Assis, que traba- lhava na redacgo da GAZETA DA TARDE e actualmente 6 o decano dos reporters do JORNAL DO COMaMEROIo; Leopoldo, Figueira; major Coelho Cintra; Dr. Aquino da Fonseca;: Thcotonio Regadas; Orozimbo Muniz Barreto, o tio Or6, official de Marinha reformado; Esteves Junior; Cabral Noya; Julio do Carmo (34), Lourengo Vianna, os quatro ul- timos igualmente dedicados a campanha republican, como- socios enthusiasts do "Club Tiradentes"; Valentim Maga-- lhkes; o poeta Luiz Nobrega; o eloquent advogado Dr. Alberto de Carvalho; o commissario da Armada Jos' Fran- cisco da Conceigio; Alfredo Jansen Tavares; Joao Barbosa, (84) Julio do Carmo guardou tao forte impression do que viu e observoui durante a campanha da Abolioo, que, annos depois, escrevendo unm romance - MACULADA, publicado em folhetins do Correlo da Manhi, revive scenes da- escravidio e pintou caracteres de escravos. Longe de proceder como Manoer Joaquim de Macedo, nos VICTIMAS-ALGOZES, elle nos mostra o eseravo capaz de sentiments generosos e de acg6es altruisticas. - 39 - esforgadissimo companheiro de Patrocinio, na redacgko da GAZETA DA TARDE (hoje redactor d'A NOTICIA. (35) Um servigo de propaganda em que se esmerou a Confe- deragko Abolicionista, desde 1884, foi limpar da escravidao certas ruas centraes da cidade, concitando os que nellas pos- suiam escravos a libertal-os, ou conseguindo o mesmo effeito mediante modica indemnisacgo. Foi assim que, bem antes da lei 13 de Maio, j6 nio existiam escravos nas ruas do Ouvidor, Sete de Setembro, Uruguayana e Nova do Ouvidor (travessa). A commissio incumbida de se entender cor os "senho- res" era composta dos seguintes abolicionistas: Luiz de An- drade, Jodo Clapp, Ernesto Senna, Procopio Russell, (typo- grapho, ainda hoje empregado na Imprensa Nacional), Eva- risto Costa, Henrique Dias da Cruz, Manoel C. Lopes, Do- mingos Gomes dos Santos, Bento Joaquim da Costa Pereira Braga, Bernardino Ferreira Lobo e Alfredo Lopes de Mi- randa Abreu. Corn a libertaCgo do largo de S. Francisco de Paula se occupou o Centro Abolicionista da Escola Polytechnica, no qual se salientavam os professors Ennes de Souza, An- dr6 Reboucas, Paulo Frontin, Getulio das Neves, Benjamin Constant e Alvaro de Oliveira. Conta Ernesto Senna (de quem colhemos as ultimas in- formag6es) que, para solennisar a libertacgo do largo de S. Francisco, houve festa no edificio da Escola Polytechni- ca, presidida pelo respective director Miguel Archanjo Gal- vio. (36) (35) Esta relafao, bem se comprehend, 4 muito incomplete, tantos foram os generosos adeptos do Abolicionismo. (36) A proposito da attitude abolicionista dos professors da Eseola Poly- technica 6 digno de recordaSgo um incldente, que mais accentea a ja assigna- lada reaceio escravista em que se empenharam os ministerios liberaes, de 1878 a Idb3. Ao tempo da manifestafio msis decidida dos alludidos professors esta- va no poder o ministerio Lafayette, o equal, para punir tres d'entre elles, foi ao ponto de Ihes applicar o decreto n. 9.031, referendado pelo Ininistro do Imperio Francieo Antunes Maciel, prohibindo accumulateo do magisterio com o exerci- cio temporario de qualquer commisslo technical. S6 se percebeu a accumulacio depois que elles se declararam abolicionistas... - 40 - Nao foi tao efficaz no seio da Faculdade de Medicina, do Rio, a adhesko i id6a abolicionista, porque, ali, partiu mais do corpo discente do que do corpo docente. Desde 1882 ve- mos activamente interessados na propaganda os estudantes: Bricio Filho, Alexandre Stockier, Mello Lisbsa, Montene- gro Cordeiro, Pardal Mallet (que, mudando de rumo acade- mico, leva a id6a ao Recife) Jos6 Braz Cesarino, Arthur Americo Bernardes. Juntavam todos, em um mesmo fervor juvenile, o credo abolicionista ao republican. Dois ficaram sendo typos bem caracteristicos de fanaticos pela liberdade: Stockler e Bri- cio Filho. Ganrharam, por isto mesmo, just popularidade, sempre devida aos intransigentes, que nenhuma desillusifo perturba. Foi Bricio activissimo na campanha abolicionista, re- presentando frequentemente os seus colleges nas festas de propaganda, nas conferencias, nas recepq5es. Um discurso, proferido por elle, em 1887, a chegada, ao Rio, de Joaquim Nabuco, (vindo do Norte), produziu enor- me impressio, principalmente porque o homenageado, em resposta, extranhou nao fossem todos os academics de me- dicina da opiniio do orador e os concitou a former, sem dis- crepancias, em volta da bandeira da Abolicfo. Alexandre Stockier, que nio teve servigos identioos aos de Bricio (na campanha abolicionista) nio deixou de pres- tar a ella concurso meritorio, e, quanto a republican, lo- grou monopolisar, pela constancia das suas oonferencias no interior de S. Paulo, Minas e Rio, o adjective infatigavcl que os noticiarios collavam ao seu nome, invariavelmente. Entre os citados academics um nao viu a coroagho dos seus esforcos. Foi Arthur Americo Bernardes, que, de sim- ples trabalhador das ruas, passira a alumno da Faculdade, por seus dotes de talent e de energia moral. Morreu, quan- do ji no 5 anno, victimado por infeccgio que contrahira ao dissccar um cadaver. Os lentes, si bem que nio tivessem interveng~o tao di- recta quanto os da Polytechnica, nio eram, em absolute, ex- tranhos a propaganda. - 41 - Ao par dos reservados, havia enthusiasts do Abolicio- nismo, quaes Barata Ribeiro, Domingos Freire, Erico Coe- Iho. O primeiro tornou-se, deede 1884, muito conhecido, por- que costumava comparecer as matinees acompanhado das fi- lhas, que, as vezes, recitavam versos. Na Academia de Medicina da Bahia era traditional, como veremos em outro capitulo, a preoccupagio pela sorte dos escravos. Transferindo-se para l1, em 1883, e li perma- necendo dois annos, Bricio Filho levou o mot d'ordre pro- priamente abolicionista, e, entire os novos colleges, encon- trou decididos adeptos, como Torquato Moreira e Custodio Moreira. Na mesma casa em que Jose do Patrocinio deparou a companhiera da sua vida de lutas, na mesma casa em que elle encontrou recursos para a acquisigIo da GAiETA DA TARDE, formou-se a idea de envolver directamente na cam- panha a mulher brasileira. Effectivamente: no lar do bene- merito abolicionista capital Emiliano Rosa de Senna, sogro de Patrocinio, nasceu a lembranga do Club Jose do Patro- cinio, composto de senhoras. Foram primeiras directors D. Virginia Villa-Nova, D. Adelina dos Santos, D. Henriqueta Senna. A commis- sao executive ficou compost de D. D. Eponina Senna, Ca- cilda de Souza e Rosalina de Senna. A vida do Club nao foi long, mas seus servigos foram reaes e a sua influencia grande na modificagho da attitude de muitas senhoras que, antes, temiam se manifestar acerca do assumpto. Notou-se, em pouco tempo, maior numero de families nas festas abolicionistas, alias attrahentes pelo concurso das bellas letras e das bellas-artes (37). (87) Em S. Paulo, antes da lei do venture livre, (1870) f6ra, tambem, fur.nado, sob inspira~go de Martim Francisco, uma sociedade de ienhoras, des- tinada a promoter alforrias de escravos. President foi a propria esposa do alludido politico, D. Anna Bemvinda Bueno de Andrada. Tinha a sociedade , titulo de Emancipadora e se especialisou na "libertacLo de escravas mogas". Auxiliaram muito a fundaco e o desenvolvimento da sociedade Ferreira de Me- nezes e Salvador de Mendonca, ent&o estudantes e ja redactores do Ypiranga, orgam do partido liberal paulista. 0 Dr. Bueno de Andrade, filho de Martim Francisco e da president da sociedade, sendo nenino, era um dos cobradores d4a anensalidades. -42 - * Tal como aconteceu em 1880, quando a propaganda po- pular foi iniciada pela Sociedade Central Emancipadora, a Confederagko conseguiu, durante os ultimos annos da cam- panha,. obter o concurso de muitos actors e actrizes, de mu- sicistas, de cantores e cantoras, nacionaes e estrangeiros. Al1m dos jk mencionados (ao tratarmos das conferencias da "Central Emancipadora") se distinguiram: actrizes Mas- sart, Suzanne Castera, Delsol, Rose Villiot, Balbina Maia, Apollonia Pinto, Ismenia dos Santos, Helena Cavalier, Cle- lia, Delorme, Deolinda Amoedo, Theodorini, Gabi, Tessero, Manarezzi, Leonor Rivero, Isolina Monclar, Blanche Grau, Pepa Ruiz, Delmary; a cantora, de passage no Brasil, Nadina Bulicioff (38), a qual, no dia de sua festa, no Lyrico, libertou oito escravos; Giovanni Emmanuel; o tenor Cardi- nali, a cantora Corina Coracy; .a maestrina Francisca Gon- zaga; os actors Eugenio de Magalhies, Moreira de Vascon- cellos, Valle, Joaquim Maia, Guilherme de Aguiar, Guilher- me da Silveira, Vasques (que collaborava, tambem, gratui- tamente, na GAZETA DA TARDE), Bernardo Lisb6a, Colis, Martins, Dias Braga, Mattos, Machado, Peixoto, Xisto Ba- hia, Domingos Braga, o artist acrobata Manoel Pery, o emprezario Souza Bastos; os musicistas Arthur Napoleio, Bassi, Henrique de Mesquita, Frederico Mallio, Francisco de Carvalho, Cernicchiaro, Duque Estrada Meyer, Pereira da Costa, Miguez, Tavares ,Frederico Nascimento (39). A' teimosia generosa da Confederagio, a sua pertina- cissima propaganda iam cedendo os espiritos menos carran- cistas e as almas generosas, tocadas de piedade. (88) A' festa, realisada no dia 10 de Agosto de 1886, compareceram mut- tos chefes abolicionistas, havendo o senador Dantas e Jos6 do Patrocinio pronun- eiado eloquentes discursas. (39) Merece destaque, na nomenclatura dos artists que mais se dedicaram Scausa dos captives, Francisco Moreira de Vasconcellos, author e actor theatral, poeta e romancista, qte, percorrendo varies provindias do Brasil, sempre ma- nifestou suas id6as abolicionistas. Corn intuitos de propaganda, escreveu e re- presentou os dramas O mulato e Preto Domingos, este evocativo de um caso his- torico, sobre o qual o autor deste livro tambem bosquejou, em 1888, Urma no- vella, publicada no Municipio Neutro. Foi Moreira de Vasconcellos, dentre os homes de theatre, quem mais persistentemente se preoccupou corn a escravidio. - 13 - Della partiu a id6a de ser instituido o chamado "Livro de Ouro", sob a guard da Municipalidade, no qual seriam inscriptos os nomes dos que contribuissem para alforrias de escravos. Na primeira pagina langaram suas assignaturas o Imperador e o Conde d'Eu. Muitas Camaras Municipaes do interior seguiram o exemplo da do Municipio Neutro. De 1884 a 1886, foram constantemente realisadas, prin- oipalmente no Theatro Polytheama (destruido por incendio em 1894) matinees abolicionistas, consistindo em confe- rencia de propaganda, representagko de uma peca theatral e recitacgo de poesias. Nessas imatinees, a que ooncorriam todas as classes sociaes, tomavam parte alguns -dos ji cita- dos artists, distinguindo-se Eugenio de Magalhies, (que recitava, quasi sempre, o Navio Negreiro, de Castro Alves)., Vasques, festejadissimo por seu chiste, D. Luiza .Regadas, a quem um chronista ohamava "o rouxinol do abolicionismo". Falavam, mais frequentemente: Jos6 do Patrocinio.. Paula Ney, Luiz Murat, Julio de Lemos. Numa das matinees, pronunciou eloquence discurso o advogado do Consuladoa Portuguez, Dr. Elysio Duarte, qnu ji muito se distinguira como escriptor, por seu rigoroso pu- rismo de linguagem. Occorre-nos, ainda, o nome, hoje quasi completamente esquecido, do poeta bohemio Garcia Rosa, o qual, nio obstan- te a crescente degradagko a que f6ra levado pelo vicio al- coolico, se mostrava, nas matin4es abolicionistas, um dos mais assiduos servidores da campanha. MINISTERIO DANTAS (1884 1885) Ligeiro retrospect da situagdo liberal, desde 1878. 0 m , nisterio Dantas Sem progrmnma -- Opposigdo -- Colligagdo liberal-conser'vadora 0 project emani- pador, exprimindo transacgdo 0 applause dos cabo- licionista. Ataques ao ministerio Mogoes de des- confianga DissoluCao A eleigdo; relative desas- tre ministerial A nova Camara Novos ataques Retirada do ministerio 0 papel do Imperador. Vinha a situagho liberal, como sabemos, de 1878, cor o ministerio-Sinimbu (5 de Janeiro), a que succedera o mi- nisterio-Saraiva (28 de Marqo de 1880). Nao obstante ser sabido que o Imperador persistia nas suas ideas emancipadoras, mantinham-se os chefes liberaes como indifferentes ao problema do element servil. O que mais os preoccupava era a reform eleitoral (40). Aconteceu, por6m, que, antes de cuidar deste magno assumpto, foi precise acudir a crise financeira, tomando me- didas de excessive rigor, muitas das quaes impopularisaram o ministerio. De maneira que, quando quiz elle cumprir o (40) Documento muito interessante para elucidagfo das opini6es do Impe- rador acerca do assumpto 4 a carta encontrada no archivo do Conselheiro Sa- raiva e publicada pelo Sr. Max Fleiuss na Revista do Instituto Historico, por occaasio do Primeiro Congresso de Historia Nacional. Nella, expand Pedro II as suas duvidas no terreno constitutional e a respeito da opportunidade da re- forma. Sente-se, todavia, a sun confianca no chefe do Gabinete, que elle esco- Ihera para resolver tio diffieil problema. -46 - seu programma, encontrou a maior hostilidade por parte da opinifo public. Demais, ia surgindo a questao abolicionis- ta, cor o duplo movimento parlamentar e popular, e Si- nimbu, escravocrata confisso, augmentava, por este lado, o numero dos seus adversaries. Recorde-se, aqui, a tremenda reacqgo popular de 1 de Janeiro de 1880, data em que deveria ser comegada a cobran- .ca do tristemente famoso imposto do vintem (41). Recrudesceu a animosidade contra o ministerio. Comprehendendo Sinimbu que nio Ihe era possivel le- var a termo a reform eleitoral cor a Camara entio em fun- .c es, pensou em dissolvel-a, o que manifestou ao Impera- dor. Consultado, pro-formula, o Conselho de Estado, foi re- *cusada a violent media. Deu-se, portanto, a retirada do ministerio, um dos mais impopulares do 2 reinado. Nao logrkra Sinimbu realisar o que promettera: a re- forma eleitoral. Saraiva, mais feliz, satisfez os anhelos do seu partido, propagandist constant da alludida reform desde 1870. Lembra o conselheiro Christiano Benedicto Ottoni: Sa- raiva, certa vez, respondendo a alguem que extranhava ha- ver elle dito: "O governor nao cogita desta questho (a do elemento servil), emendara: "nI o cogita no meu actual mi- -nisterio". E' certo, entretanto, que, nas falas -do throno proferidas d Dormia-se descangadamente sobre a lei do venture livre... Nos discursos programmas de Sinimbi e Saraiva avul- tam, entretanto, referencias ao process das eleig6es, modifi- *cado pelo ultimo, corn a lei n. 3.029, de 9 de Janeiro de 1881. (41) V. a proposito do imposto do vintem: Lucio Pestana (Dunshee de Abranches) MEMORIAS DE UM HISTORICO, 2 vol. 1897, pages. 59 e seguin- tes; Ernesto Mattoso, COISAS DO MEU TEMPO, pag. 15; Dr. Moreira de Aze- vedo, na REVISTA DO INSTITUTE HISTORIC, T. LVIII, Part. 1I, pages. 821 e seguintes; Jos6 Carlos de Carvalho, O LIVRO DA MINHA VIDA, 10 vol., 1912, page. 44 e seguintes. - 17 - Querendo Saraiva explicar a preferencia assim dada a question eleitoral, dizia, no seu discurso de apresentagko, de !22 de Abril de 1880: "0 partido inscreveu no seu programma mui- tas reforms. Os ministerios nio teem e nio po- dem ter programmas largos. Elles devem esco- .her das reforms do seu partido a mais urgente e envidar esforcos para a realisar". A reform eleitoral nos parece a mais urgen- te". (421 Sem duvida, elle se lembrava, nessa occasiio, do elemen- to servil, que motivara discusses recentes na Camara e na imprensa e nio sahia das cogitag6es do Imperador, segundo confissio de todos Retira-se Saraiva. Sobrevem o gabinete Martinho Cam- pos (21 de Janeiro de 1882) (43). A 24, apresenta-se o mi- :nisterio a Camara dos Deputados. O discurso programma, (42) A reform alludida no texto e, final, realisada pela lei de 9 de Ja- neiro de 1881, foi a que estabeleceu a eleigio direct. Era uma aspirag~o liberal -do paiz, a que o partido deste nome dera acolhida no seu programma. O Impe- rador, cujas predilece6es pelos conservadores nunca foi desmentida, pensava, corn enes, que, a despeito dos reclamos da opiniao public, tio profunda refor- ma s6mente podia ser levada a effeito em legislature extraordinaria, convocada para dito fim. Isto mesmo elle fez var a Saraiva, mas, daquella vez, nao vingou (ao contrario do que quasi sempre succedia) o pensamento imperial. Quem, por incumbencia de Saraiva, de accOrdo corn outros proceres do par- tido liberal, preparou o project foi Ruy Barbosa, que, entio, j6 se impunha por sua alta capacidade juridica e por seus dotes literariop. V. carta de Ruy Barbosa nas citadas MEMORIAS DE UM HISTORICO, pass. 114-115. Quanto so bello resultado da primeira eleigfo sob o regimen da 'lei, foi principalmente devido a circumstancia de haver o governor deixado, para sua honra, que o pleito corresse livre. Desappareceram as excellencias da lei, sempre que se deu intervengio governmental, como, para exemplo, durante o ephemero ministerio Paranagua. (43) A subida do deputado Martinho Alvares da Silva Campos, leader do governor demissionario, causou surpreza. Tanto os liberals, Como os conservado- res, tinham a attengdo voltada para o lado de Dantas, que fsra a alma do mi- nisterio Saraiva e que nelle accumulira, cor galhardia, as funees de minis- tro do Imperio e ministry da Justiga. SAo muito interssantes as notas forne- cidas por Dunshee de Abranches no sen citado livro, acerca de Martinho Cam- pos e do ministerio que elle presidiu, conhecido, na historic anedoctica do 2 reinado, por "can6a do tio Martinho. pages 157 e seguintes). Mas, por corresponderem, mais preeisamente, a quanto apurAmos acerca lda personalidade de Martinho Campos, transcrevemos estas justas palavras de Affonso Celsq Junior, que o conhecu de perto: S"Deputado, Senador, Presidente da Camara, Presidente da provincia do Rio de Janeiro, Ministro da Fazenda e Presidente do Conselho de Ministros, Martinho Campos distinguia-se como debater vivaz, fertil em manobras, elocugco facial, espirituosa, mor- daz, extraordinario sangue frio e desembarago, immense prompti- dio e felicidade nas replicas. - 48 - o mais long de quantos foram pronunciados na emergencia, nio contem uma s6 palavra acerca do momentoso problema que nos. occupa. Cremos nao ser precise recorder que Mar- tinho Campos, leader da maioria em 1880, fizera, na Cama- ra, profissio de f6 escravocratica, ao defender o governor, no debate da preferencia pedida por Joaquim Nabuco para a apresentagio de um project de cunho abolicionista. Excusado se nos afigura, tambem, dizer que na fala do throno de 17 de Maio de 1882. o Imperador continuous a nao tratar da escravidio. Segundo o apparelho constitutional da Monarchia e as praticas do seu regular funccionamento, as falas do throno, os "votos de gragas" e os discursos pro- grammas dos gabinetes deviam guardar a mesma toada. Eram como tres echos de uma voz unica. (44) O ministerio-Martinho Campos s6 se aguentou seis me- zes nos Conselhos da Cor6a. (45) Subiu Paranagua, a 3 de Julho de 82, e incluiu, no seu programma, id6as acerca da escravidio e do respecti- vo regimen, declarando: "0 ministerio favorecera, sem quabra do res- peito d propriedade, a evolu~go, que se opera, do trabalho escravo para o trabalho livre, evolug6o Jamais erguia a voz, mas consegula ser perfeitamente ou- vido, em virtude de calma e naturalidade corn que articulava as phrases. Exprimia-se em diapasao familiar, tom de conversa, serm menor artificio rethorico. Repetia a mildo certas locuq6es. As palavras perdoe-me V. Ex. vinham-lhe aos labios corn a insistencia de cacoete. Erecto na tribunal, a gesticulageo s6bria, sacudindo inces- sante a cabega, virava-se rapido para o lado donde sahiam apartes, que o avivavam, como esporadas a ginete brioso. Desfechava respostas incisivas e dicazes. Improvisava sempre e nunca revia notas tachygraphicas. Sem piano, atravancado de longas digresses, os seus dis cLrsos impunham-se pela franqueza e sinceridade, pitoresco das ima- gens, graga espontanea, imprevisto dos conceitos. Despertavam, de ordinario, sympathica hilaridade; impres- sionavam e interessavam, em qualquer occasion. O consideravel prestigio parlAmentar de Martinho Campos provinha sobretudo da sua escrupulosa probidade e ardoroso empe- nho na defeza dos dinheiros publicos". (Jornal do Brasil, de 28 de Novembro de 1922). (44) Nao 6 preciso explicar que a fala do throno era obra do president do Conselho, on outro ministry. (45) Jolo Lustosa da Cunha Paranagua, senador, (ao tempo visconde de Paranagu)). -49 - que se p6de conseguir naturalmente pdla melhor execugdo da sabia lei de 28 de Setembro. A eleva- gEo do fundo de emancipag;o, o imposto sobre transmissio na venda de escravos, a prohibigio de semelhante commercio entire as provincias, sao medidas propostas e que merecem o assenso geral do paiz. O governor as julga no caso de serem adopta- das, curando, ao mesmo tempo, da educaglo dos ingenuos, em numero ji avultado". Ao que se p6de concluir dos repetidos apoiados e mwgto bemr com que foi applaudido este trecho do discurso-pro gramma, bastkra a advertencia cautelosa das palavras "sem quebra do respeito 6, propriedade" para aquietar os animos... S Mas, o ministerio Paranagua, nos dez mezes e dias da sua existencia, nko teve tempo para dar o pouco que promet- tOra, a despeito da, vontade patenteada pelo Imperador, o qual, na fala do throno de 3 de Maio de 1883, se dignira dizer: "Fazendo justiga a vossos sentiments, espe- ro que nio vos esquecereis da gradual extinegco do element servil, adoptando medidas que deter- minem sua localisagio, assim como outras que au- xiliem a iniciativa individual, de acccrdo com o pensamento da lei de 28 de Setembro de 1871". Cahido o ministerio Paranagui, ascende o presidido por Lafayette (46), a 24 de Maio de 83. Dois dias depois, occupa- va o eximio jurisconsulto a attengio da Camara cor o seu programma. (46) Laffayette Rodrigues Pereira, senador. Foi uma das maia curiosas crises political a de que sahiu o ministerio Lafayette. NAo era este tido por chefe de qualquer um dos grupos em que se dividia o partido liberal; nio dis- punha de influencia propriamente politics. Ninguem contava corn o Beu cha- mamento; nem, mesmo, elle... De quem o Imperador se lembrou, logo, quando a Camara p6z em terra o ministerio Paranagua foi do senador Saraiva, entio na Bahia. Ficoun-e Bem governor, A espera da resposta, durante uma semana. Saraiva declinou da hon- osa incumbencia, declarando nJo poder governor corn a Camara, que f6ra, alias, eleita sob o governor delle. Em seguida, foi chamado o senador Jose Bonifacio. Nova recusa. 86 en- '* E 6 - 50 - O trecho que nos interessa 4 este: "V6s o sabeis: a lei de 28 de Setembro de 1871 organisou um mecanismo simples e efficaz, por meio de cuja acgio, dentro de um prazo que nao serd long, o elemento servil estari extinct em todo o Imperio. Mas, pergunto-vos: nio sera possivel adoptar aiguma media, no sentido de auxiliar, de facilitar a acgio da lei de 28 de Se- tembro? Senhores, 6 esta uma questio acerca da qual a palavra do governor deve ser clara e pre- cisa. O governor entende que 6 tempo de estabele- cer, por lei geral, a localisacgo do element ser- vil nas provincias. E' uma media que ter sido adoptada pelas assembl6as provinciaes, mas sem a necessaria efficacia, porque Ihes falta compe- tencia para estabelecer a competent sancgio. A adopgio deste alvitre por lei geral preparari ele- mentos que contribuirio para facilitar a solugio desta questao. Outra providencia que tambem pode ser deliberad-i a do augment dos recur- sos do fundo de emancipaglo, oomo seria a crea- gio de um impusto especial sobre o proprio ele- mento servil". Final, a part deste programma que o ministerio ten- tou realisar ficou reduzida a proposta de um ridicule im- posto de 500 reis annuaes, por cabega de escravo... Os abolicionistas attribuiram, al6m de tudo, a Lafayette tendencia reaccionaria a propaganda das suas id6as, e de- ram, como prova disto, a demissio do president do Ceara, Satyro de Oliveira Dias, suspeito de allianga cor o Aboli- cionismo. t5o, se lembrou o Imperador do senador Dantas, cujo grapo contribuira efficas- mente para a Queda do ministerio Paranagui. Dantas indicou outros: Martinho Campos, Affonso Celso, Silveira Mar- tins, e, final, Lafayette. Prevaleeeu esta ultima indicagio, que visava tm ho- mein de real talent, de grande illustragio juridica, de provada honestidade, mas o menos chefe de todos os liberaes. Durara a sinalepha governmental qua- torze lias. Foi essa demissio, effectivamente, um dos ultimos actos do gabinete. Si os abolicionistas quizessem apreciar, em conjuncto, a administragio public no period do ministerio Lafayette, verificariam que nao fora s6mente a question dos escravos a descurada. Nunca uma intelligencia de esc61, uma illustragio pou- co commum, um espirito tio fino se mostraram menos pro- ductivos. Nada de novo; tudo rotineiro e comesinho, segundo as normas predeterminadas do funccionalismo anonymo... A passage de Lafayette pelo poder nio correspondeu is esperancas nelle depositadas. De maneira que desilludi- dos nio foram tdo s6mente os abolicionistas. Nao seriamos justos, porgm, si nio levassemos ao peque- no haver do ministerio Lafayette um acto em que elle col- lalorou cor a boa vontade do Imperador, seguindo a pro- posta das autoridades superiores da Policia. Eis o caso: No dia 14 de Dezembro de 1883, reben- tou tremenda revolt na Casa de Detengro. Era a Policia chefiada, entio, pelo Dr. Tito de Mattos, sendo delegados os Drs. Felix da Costa, Theodoro de Macedo Sodr6 e Ber- oardino Ferreira da Silva. Todos trabalharam activamente para veneer o movimento, sendo prestigiados pelos minis- tros da Justiga e da Guerra, que puzeram ao servico da re- press.o forCas numerosas do Corpo Militar de Policia e do Exercito. No interior da propria Detengio, porem, enoontrou a autoridade public o mais efficaz concurso, prestado por escravos, press correccional ou criminalmente. Foram elles, sem duvida, os que decidiram a luta, cor vantagem para a ordem, evitando grande derramamento de sangue. Dessa attitude dos captives, (em numero superior a cem) nasceu, na Policia, a idea de Ihes serem concedidas cartas de liberdade, a custa do Estado. Os conservadores, por seu orgam, O BRASL, atacaram o generoso e justificado alvitre, alias applaudido por toda a imprensa imparcial. O Imperador interveio a favor, o ministerio persistiu na sua idea e os miseros defensores do principio de autoridade ti- veram o merecido premio da sua dedicagio. - 1 - - 52 -- Nos quatro annos que tinham decorrido desde o surto da campanha propriamente abolicionista, o espirito public es- tivira sempre agitado a proposito, a propaganda nio esmo- recera, a id6a caminhira vantajosamente. Comegaram. chefes. politicos dos dois partidos monar- chicos -a oomprehender a forga do movimento e o perigo, que adviria para as instituicges, da sua accelerago, si conti- nuasse simplesmente entregue ao element popular. (47) Por outra parte, o Imperador, que nunca esquecia com- pletamente .o problema, procurava (tal como o fizera corn os conservadores desde 1868 atW 1871) (48) um home capaz de acudi'r opportunidade e realisar a reform. Sahindo Lafayette, por se sentir desprestigiado .peran- te a Camara, lembrou-se Pedro II de, mantendo a situacgo liberal, aproveitar a circumspecgio reconhecida e a autori- dade de Saraiva. Chamou-o, sem result tado. Confessou-se o senador Sarai'va incapaz de realisar a reform imposta pe- las circumstancias, nio podendo, disse elle, escolher seguros companheiros, dadas as divergencias, a respeito do assum- pto, no proprio seio do partido liberal. Voltou-se o Impe- rador para o lado de Sinimbu, pensando, talvez, j& estives- se elle mais ou menos evoluido. Enganava-se Pedro II: Sinimbu era, ainda, o memo que inspirfra e dirigira o Congresso Agricola de 1878; a s6 lembranga da emancipagio o exasperava. (49) (47) Na Gasta de Notilcs, sempre sympathies so Aboicioniao. eserevia, com justeza, Ferreira de Araujo, a 81 de Marro de 1884: "E' eate o moment de encaminhar a torrent e de utilisal-a. A ve'ha e condemnada instituigao estA sendo derrocada, e, no emtanto, s6 se ouvem hymnos testivos. Cada victoria i am reforeo, e por uma lei natural a intensidade e a rapidez asgmentam sempre na proporcAo da forca adauirida. E como se dA este facto singular de tor chegado a tal ponto uma questfo, que tanto interessa o future o a dignidade do paiz, sem que um s6 dos partidos politicos a tenha adoptado? Manda o in- stincto de conservagco que um delles a adopted abertamente, si nio quizer se an- nullar, si n1o estA disposto, n8o diremos a suicidar-se (porque o suicidio ainds supple uma certa energia) mas a deixar-se 'morrer de inanigio". Dantas, mesmo, tempos depois de deixar o powder, explicando a a atti- tude, recordava estas palavras de Tocqueville: "A humanidade e a moral reela- maram sempre, e is vezes imprudentemente, a abolirio da escravidlo. Roje 6 a necessidade political que a impde. Melhor sera que se apresente mio fire para dirigir a cruise, do qce deixar a sociedade na expectativa, at6 se tornar final incapaz de supportal-a no dia em que f6r inevitavel". (48) V. nosso opusUedo A lei do venture lire. (49) Antipathisando, como ja se deve ter notado, com a personalidade po- litica de Cansanaso de Sinimbu, nao deixamos de reconhecer nelle oma qualidade, a de ter sido home de bem, tendo-o a Republica encontrado pobre. Falhando a seducko junto a Sinimbu, foi attrahido Affonso Celso, o qual allegon nio ser possivel cogitar de Abolicgo, sem resolver o problema financeiro, acabando oom o deficit. Ficou, entio, o president do gabinete demissionario in- cumbido de chamar o senador Manoel Pinto de Souza Dan- tas, o experimentado politico bahiano. Cabem aqui ligeiros tragos da psychologia' political do senador Dantas, uma das mais interessantes figures do final do .20 reinado. Apparece, no grande scenario da political geral, como deputado pela Bahia, na legislature comegada em 1857, sem que o houvesseA recommended valiosas tradig6es avoengas. Magistrado pobre, (como tantos outros, attrahido para a arena political) tinha sabido, na provincia, grangear bom nucleo de anigos. Sua filia-go partidaria f6ra, desde o co- meqo, liberal. JA em 1866 (50), o encontramos ministry, corn Zacarias de G6es e Vasconcellos, que, no seu terceiro gabi- nete, mett6ra gente moga e esperangosa: ao lado de Dantas, igualmente brilhava Affonso Celso de Assis Figueiredo, en- tao recentissimo deputado per Minas Geraes. No gabinete Zacarias, revelou-se Dantas active admi- nistrador e nao menos active defensor do governor, na tribu- na parlamentar. Cochichava-se, contemporaneamente, que o chefe do' ga- binete tiv6ra, por vezes, de Ihe moderar o enthusiasm tri- bunicio... Dois annos depois, sobreveio o ostracismo liberal, duran- te o qual. elle, na Bahia, deu mostras da maior dedicagio ao seu partido e aos amigos. Alem de tudo, felicissimo na familiar, educando e pre- parando os filhos para altos destinos, a que todos chegaram. Quando voltou ao poder, cor Saraiva, em 1880, ji era senator. Tinha augmentado seu prestigio ao ponto de perguntar o malicioso Souza Carvalho, referindo-se a elle: "6 home (50) No anno anterior, presidira a sua provincia, notabilisandoee pelos ee- forgos que puzera na organisasio de batalh5es patrioticos (voluntarios) des- tinadoe co Paraguay. indipenmavel ou inevitavel?" 0 ex-deputado Eunapio Dei- r6, que conhecera Dantas muito de perto na Bahia e no Rio de Janeiro, e que, como observador attento de todos os nos- sos factos politicos, estava em condig5es de bem julgar, dizia, em 1882, quando Dantas acabava de deixar o ministerio: "Neste ultimo gabinete, o seu talent oratorio passou por uma singular transformagio. A sua palavra desembaragou-se da diffusio, o seu estylo tornou-se conciso, o seu pensamento mais accentua- do e claro. O ministry communicou ao orador um aperfeigoamento notavel". (51) Isto pelo aspect propriamnente parlamentar. Pelo lado dos sentiments, era Dantas creature extrema- mente sympathica; fazia-se querido de toda gente, repartin- do-se em gentilezas e attengSes. Tornou-se famoso o seu ha- bito de vestir, sempre, roupa preta, prevenindo a possibili- dade de uma missa de defunto, ou de um enterro... Da Bahia viera com a fama, atW certo ponto negative, de muito accommodador dos seus, sendo por isto censurado e trogado. Mas, em compensagio, tambem, trouxera a nomea- da de coragio bonissimo, nao guardando rancores, passada a loita, bem como a recommendagio de ser acolhedor dos noaos, quando impellidos por legitimas ambig6es. Assim se desfazia a ma impressbo daquella fama de egoista familiar... Testemunham os que cor elle privaram que a sua ama- bilidalde era deveras enleante e seductora, raramente se zan- gando. Cor estas qualidades, facil Ihe foi despertar confianga no seio das classes populares. Ao servigo dos seus interesses politicos punha intelli- g-ncia viva e prompt no apanhar das quest6es e palavrs ardente e insinuante, nao raro illust.ra.da por conhlecimentos historicos e literarios, apropositados As occasi5es. Quanto ao seu valimento no seio do partido liberal, era considerado, apenas, inferior ao de Saraiva, mas, pelo me- (51) ESTADISTAS E PARLAMENTARES, perfis publicados no GLOBO, e, depois, reunidsa em volume, 1* airie. - 55 - nos, igual ao de outros chefes (o partido nao tinha menos de seis ou sete!) Foi este home que o Imperador mandou chamar por Lafayette, para Ihe incumbir a ardua tarefa de officialisar, de novo, a idea da emancipaC'io. De como elle se esforgou na temerosa empreza vamos dar noticia. Facil nao f8ra o accordo entire os desejos do Imperador e os compromissos partidarios de Dantas. Isto explica a demorada conferencia, que tiveram, ap6s o primeiro chamado a S. Christovko, na tarde do dia 4 de Junho de 1884. Voltando della referiu Dantas, em expan- sao domestic, que passara por verdadeira sabbatina... Ao que parece, por6m, nio se sahira mal da prova; o Mestre Supremo ficara satisfeito, pois, na mesma'noite de 4 de Junho, Ihe enviou, novamente, Lafayette, com o recado de comparecer is 10 horas, do dia 5. Lafayette s6mente se desempenhou da commission 6 meia noite. No dia 5, a hora marcada, foi Dantas incumbido de organisar ministerio. Acceito o encargo, buscou gente dedicada, desde logo prevendo o combat, visto como a Camara dos Deputados, eleita em 1881, sob o ministerio Saraiva, nio dava garantias de prompta adhesio as ideas repentinamente surgidas na isituagdo liberal. (52) S A 6 de Junho estava constituido 'o ministerio, ficando Dantas cor a presidencia do Conselho e a pasta da Fazenda e as outras assim repartidas: Imperio Felippe Franco de SA; Justiga Francisco Maria SodrB Pereira; Estrangei- ros Jolo da Matta Machado; Marinha Joaquim Ray- mundo de Lamare; Guerra Candido Luiz Maria de Oli- veira; Agricultura Antonio Carneiro da Rocha. (62) Convem recorder que Dantas f6ra ministry con Saraiva, no gabinete -de 28 de Marco, o qual nio cogitAra do element servil, embora a questSo ti- vesse sido postal em f6co por Nabuco e outros. Por isto mesmo, quando Dantas foi chamado e deixou entrever seu enthusiasm emancipador, os ocnservadores interpretaram essa tendencia do seu espirito come resultant de imposigio im- perial. (V. Pereira da Silva, Memorias do meu tempo, vol. 20, pag, 275). Pereira da Silva 6 aproveitavel, quando trata de fornecel a impression do partido conservador (lado puritano, em face dos acontecimentos. Sua inti- midade corn os chefes, sua identidade de vistas com elles, seu papel proeminente em 1871, imprimem seguranga, sob este aspect, aos seus informed. Nio se p6de dizer o mesmo quanto a datas, a nomes, a positivaggo de facts. Nisto, as ME- MORIAS DO MEU TEMPO sAo perigosas; estio incadas de equivocos e falhas. - 56 - Ponto ainda duvidoso 6 o relative A causa de nio ter Ruy Barbosa feito parte do ministerio-Dantas. A respeito ja houve polemica, tio polida quio instructi- va, entire o deputado Dr. Leio Velloso, redactor-chefe do CORREIO DA MAeNH, e o Dr. J. Souza Dantas, filho do se- nador Dantas. Sustentava o primeiro que f6ra o proprio or- ganisador do gabinete 6 de Junho quem julgira prudent evi- tar a entrada de Ruy Barbosa, temendo provavel despres- tigio do governor, caso Ruy nao pudesse obter reeleigoo -na Bahia, por occasifo do seu necessario appello is urnas, no terreno da emancipagio. Pretendia o segundo desviar a res- ponsabilidade da nio entrada para a pess6a do Impera- dor. (53) Ha, algm destas duas versees, uma terceira, que p6de ser deduzida de palavras do proprio Ruy Barbosa. No seu livro FINANgAS E POLITICAL DA REPUBLICAN, pag. 374, lemos: "Na formagio do ministerio Dantas, disse-me seu eminente chefe: "Estis ministry, si quizeres". E nao fui ministry". As tres versSes nio sio irreconciliaveis, em absolute. -Dantas tinha, de facto, grande admiraclo pelo talent e pela erudigio de Ruy, dedicando-lhe affeigfo ex2epcional, des: de que o acolhera no seu escriptorio de advogado em 1872. e Ihe confifra, no anno seguinte, a direccho do DIARIO DA BAHIA. (54) No seio da familiar de Dantas, por parte dos filhos e do genro, Jeronymo Sodr6 Pereira, eram identicos os sentimen- tos. Nada, pois, mais natural do que ter Dantas pensado em Ruy Barbosa, e, neste sentido, haver falado ao Impsrdor, por occasiao da tal sabbatina, na tarde do dia 4 de Junho. Provavelmente, o Soberano teria apresentado duvidas acer- (53) Tobias Monteiro est. de acc6rdo corn esta segunda vers8o. (54) Ruy Barbosa foi redactor e, depois director do Diario da Bahia, de 1872 atW 1879. No Diario, aldm de various artigos favoraveis 4 emancipag5o, pu- blico., a 15 de Agosto de 1875, o justamente celebrado folhetim Pelos escravos, reimpresso, em 1881, corn o elogio de Castro Alves. E' de justice nio esquecer que. no Diario da Bahia, antes de Ruy assumir a direegco, ja havia um reda- ctor francamente favoravel A causa dos captives. Era Bellarmino Barreto, de quem volveremos a falar, em outro capitulo. -51 - ca da reelegibilidade de Ruy e receios de vir o gabinete a se comprometter corn a imposigCo electoral do ministry. Dantas, embora cedendo ao pezo dessas considerag6es, nao haveria desistido da id6a de convidar seu valoroso ami- go, offerecendo-lhe a pasta. Mas Ruy poderia ter percebido, nas entrelinhas da conversa, o constrangimento do chefe. E, entlo, desinteressado e leal, nio querendo crear embaragos, nem difficuldades, teria resolvido recusar a pasta. Situa- gBes como esta.se repetem na vida political e s6mente nio as resolve por maneira identica os ambiciosos e egoistas. (55) Tenha sido, por6m, este ou aquelle o motivo de nio ha- ver Dantas aproveitado no ministerio, o concurso do seu ex- traordinario conterraneo, o que nio se p6de escurecer 6 a verdade destas ponderag6es do Dr. J. Souza Dantas, acerca da collaboragio parlamentar de Ruy, quig~ mais util ao ga- binete: "O Sr. Ruy Barbosa, nio medindo o seu apoio e o seu devotamento a causa liberal em litigio, pela posigao mais ou menos vantajosa que se Ihe attribuia, escreveu, na campanha de 6 de Junho, um desses capitulos da sua vida public em que elle s6 tern por igual a si proprio". (55) Ha quem duvide da boa vontade de Dantas para com Ruy Barbosa, que tanto e tanto o ajud6ra, desde que a elle se ligara na Bahia, A proposito, e por serem deveras suggestivas, transcrevemos as Beguintes palavras de Dun- shee de Abranches, tratando da composigho do ministerio Martinho Campos, do qua fez parte um filho de Dantas: "Houve nesse tempo quem pensasse- que o ministry do Imperio devia her o conselheiro Ruy Barbosa, que ja entao me notabilisara bastante. Falou-se, mesmo, que o conselheiro Dantas, interpellado por amigos a esse respeito, res- pondgra, com o fez em outras occasiSee, que si as eleik6es do Sr. Ruy Barbosa eram difficultosas, as reeleigdes ainda seriam mais penosas e at6 arriscadas, principalmente como ministry. O que, por6m, nunca se explicou cabalmente foi porque se apresentava sempre o nome desse eminente brasileiro pelos districts em que havia menos probabilidade de victoria". (Obra cit. pages. 152-158). A ultima ponderagio de Dunshee de Abranehes parece confirmar uma observaAo de dutro contemporaneo, c-jo nome nao vem ao caso. Notou elle que, nas renhidas eleig6es de 10 de Dezembro de 1884, ao pass que o ministerio se esforeava para tornar vietorioea a candidatura do Sr. Jo o dos Rels Souza Dan- tas Filho, desamparava a de Ruy Barbosa, entregue A sanha conjugada dos es- cravocratas e dos clericaes... Accrescia a circumstancia de haver sido Ruy apresentado por um distri- eto em que era innegavel o prestigio eleitoral do candidate conservador, o Sr. Innocencio de G6es. Este explorou, antes de tudo, o abundant veio do clericalismo, e, confor- me notaremos a seu tempo, venceu sem grande embaragos. P6de ser consultada, com algum proveito, a introducc o que Ray Barbosa esereveu para a collectanea dos seus artigos, publicadoO, em 1888 e 1889, no Diario de Noticias (Quida do Imperio, 1921, pages. XXXVI a IL). - 58- Na sessio da Camara dos Deputados do dia 9 de Junho, leu Dantas o programma ministerial, do qual vamos extrair os trechos attinentes ao problema da emancipacgo: "'Cabe-me, agora, manifestar-vos o pensa- mento do gabinete na questio do element servil. Chbegmos, Sr. President, a uma quadra em que o governor carece intervir coam a maior seriedade na soluggo progressive deste problema, trazendo-o francamente para o seio parlamentar, a quem compete dirigir-lhe a solucgo. Neste asswmpto, nem retroceder, nemn parar, nem precipitar. E', pois, especial proposito do governor caminhar nes- ta questio, nio s6mente como satisfagho a senti- mentos generosos e aspirag6es humanitarias, mas ainda como homenagem aos direitos respeitaveis da propriedade, que ella envol/e, e aos maiores interesses do paiz, dependents da fortuna agri- cola, que, entire nds, infeliUmente se acha ate ago- ra ligada pelas relaeges mais intimas corn essa in- stituigdo anomala. E' dever imperioso do governor, auxiliado pelo poder legislative, fixar a linha at' onde a prudencia nos permitted, e a civilisagio nos imp6e chegar; sendo que assim se habilitard a co- hibir desregramnentos e excesses que compromet- tem a solugdo do problema, em vez de adeantal-a. Corn este intuito, consider o governor indis- pensavel e inadiavel uma disposigio geral, que firm no paiz inteiro a localisagio provincial da propriedade servil, ja adeantada na legislagio das provincias. Mas nio basta. O fundo de emanci- pagio gyra at6 hoje num circulo acanhadissimo. Para amplial-o em proporg~es vastas, o go- verno promovera uma media poderosa. Refiro- me a uma contribuigio national, que chame a concorrer para a extincgo desse element, toda a massa contribuinte, e nio unicamente as classes proprietarias. T" 59- Occorre ainda uma providencia que o gabi- nete julga-de inteira equidade e opportuna: os escravos que tenham attingido e attingirem a ida- de de 60 annos. As raz6es ponderosas em favor desta media que honraria a indole philanthro- pica dos brasileiros, nio cabem neste moment. O governor reserva-as para a discussion do proje- cto que vos submetterk". Cada vez que lemos estas palavras do senador Dantas, e relemos as que propositalmente sublinhamos, sentimos dif- ficil explicar o enorme enthusiasm manifestado pelos abo- licionistas, deante do programma do gabinete 6 de Junho. Havia, effectivamente, bellas promessas, mas naquelles topi- cos assignalados, o PRINCIPIO DA PROPRIEDADE ESCRAVA ERA RESALVADO E OS USUAES PROCESSES DE PROPAGANDA E DE LIBER- TACAO TAO QUERIDOS AOS ABOLICIONISTAS ERAM FORMALMENTE OONDEMNADOS... Talvez a sympathia pessoal, a attracgho ir- resistivel, a ja grande popularidade do senador Dantas pos- sam dar resposta a nossa perplexidade. Mais facilmente comprehendemos a mi recepgo feita ao ministerio pelos escravocratas (56), alarmados con a idea humanitarian da libertagio dos escravos de 60 annos, sem con- digkes de qualquer ordem. (56) E' necessario, de uma vez, p8r os leitores ao par do significado de algumas qualificag8ee que se Ihes deparario, a cads pass, nests notas. Para n6s, na escala aseencional que vae da teimosia escravocratica A aspiraaio abo- licionista, ha espago para a seguinte clssificagio (no period historic de 1879 a 1888): ESCRAVOCRATAS ou ESCRAVISTAS os que, tendo ou nao combatido a lei Rio Branco, eram adeptos do statu-quo, o qual consistia em nada fazer aldm do cumprimento da mesma lei: EMANCIPADORES MODERADOS os que pen- savam ser preciso intentar alguma cousa, a bem da emancipagao, mas nos mol- des da lei de 1871; EMANCIPADORES ADEANTADOS os cue queriam ir alem do systems da citada lei, propondo outras medidas, mais apressadoras do fim do Captiveiro, reepeitando, entretanto no todo ou em part, o direito de propriedade - escrava: ABOLICIONISTAS os que, negando a legitimidade desse supposte direito, reclamaram a abolicio total a incondicional, em period maie ou menos proximo, ou immediatamente. Dantas, dentro desta classifica.Co, p6de ser tido como emancipador adean tado. Abolicionistas houve que, no comeco, nio mereciam esta classificago, ad- mittindo, como admittiam, a indemnisagao. De facto: as id6as dos proprios propagandistas do Abolicionismo at& 1884 nao eram uniforms acerca da indemnisaoco. No come da campanha, alguns dos mais decididos, como Nicolau Moreira e Vicente de Souza, acceitavam a clausula da indemnisagqo aos senhores. O mesmo admittiam os lentes abolicio- nistas da Escoa Polytechnica, entire os quaea o Dr. Jos9 Agostinho dos Reis, o mais prestante de todos, que, oedo, nmudou de parecer, s6 admittindo a abolicio incompensada. Comegou, logicamente a campanha escravista contra o ministerio, nio s6 no recinto da Camara, como na imprensa, unindo-se, por um s6 interesse, conservadores e liberaes, tal como succedera em 1871. Mais uma vez verificimos a reproducclo dos factos his- toricos, derivados do choque das mesmas paix5es, ou dos mesmos interesses. Mudam os personagens, mudam os scena- rios, mas as palavras e os gestos humans permanecem iden- ticos... Os leitores do nosso humilde trabalho acerca da "lei do venture livre" devem-se recorder de como foi organisada, por occasion de ser discutido o projecto-Rio Branco, a reaco escravocratica. Treze annos depois, tudo se reproduziu, corn identidade pasmosa! Antes de apresentado o project, agitaram-se os escra- vistas da, entio, chamada C6rte e assanharam os das tres provincias cafeeiras, cheias de escravos, descidos do Norte. Antes de tudo, para se former idea do valor dos egoismos despertados, recordaremos, tomando por base a estatistica official, a situagio relative do Norte e do Sul do Imperio, no que dizia corn a escravidio; assim tornando palpavel o destaque em que ficavam as provincias "negreiras" S. Paulo, Rio e Minas Geraes. No relatorio do Ministerio da Agricultura, apparecido em 1884, encontram-se estes suggestivos algarismos: Escravos exitentes no Norte (Bahia inclusive) - 408.098. Escravos existentes no SuZ (Matto Grosso incsive) - 840.752. Somma: 1.243.850. Ora, dos escravos existentes no Sul s6 as tres citsdas provincias possuiam nada menos de 692.910, assim distri- buidos: Rio de Janeiro... ...... ... ......... ... 263.755 Minas Geraes... ............... ... .... 255.888 S. Paulo... ... ... ...... ... ...... ..... 173.267 Bern se v3 que as tree provincial continham mais 141.970 escravos do que todas as outras do Imperio e o Mu- nicipio Neutrol Justifica-se a acolhida que teve, em Minas, Rio e S. Paulo o mot-d'ordre do Centro da Lavoura e do Commnercio, da C6rte, animando a reacgio, dando conselhos aos fazendei- ros para fundaIo de nucleos de defesa agricola contra o que chamava "movimento anarchico, ajudado pela louura do governor e incitado felos caprichos do Imperd'or". (tex- tual) . Trabalhavam de harmonia o Centro e a As~ociagio Commercial. Do primeiro era principal dirigente e inspirador obe- decido J. C. Ramalho Ortigho, tambem membro proemi- nente da Associagio Commercial. Nesta punha e dispunha o Dr. Honorio Ribeiro (director, tambem, do Centro), cujo nome se tornou odiento aos abolicionistas. A organisagio dessa reacgio eseravista nas provincial foi incomparavelmente mais habil do que a de 1871: o sys- tema progredira. Surgiram, em Junho e Julho, clubs, cen- tros e ligas agricolas em Rezende, Barra Mansa, Parahyba do Sul, Valenga, Capivara, Pirahy, Sapucaia, Sumidouro, S. Fidelis, Macah6, Itaborahy, Magdalena, Vassouras, Can- tagallo e outras cidades menos importantes da Provincia do Rio; bem como em S. Jos6 de Alm Parahyba, Mar de Hes- panha, S. Joio Nepomuceno, Cataguazes, Leopoldina, de Minias Geraes; e em Jacarehy, Guaratingueta, Campinas, Araraquara, Lorena, Silveiras, Pindamonhangaba, Belem do Descalvado, Taubat6, de S. Paulo. At6 do Maranhio e de Pernambuco vieram adhes6es, uma do "Club da Lavoura de S. Jos6 de Guimaries", outra do "Club da Lavoura da Escada". A 16 de Junho, dirigiu a Associaego Commercial as Ca- maras uma representago, em que collaboraram Ramalho Or- tigioo e Honorio Ribeiro, argumentando contra os progres- sos da campanha abolicionista, prevenindo os animos contra os libertos, pintados como ociosos e perturbadores da ordem social. Por seu lado, a 10 de Julho, conseguira o Centro da La- voura e do Commercio reunir uma grande assembl6a de - 61- -62- "clubs da lavoura", representados, em geral, por doutores das cidades e politicos de marca". (57) Na imprensa, al4m dos a pedidos do JORNAL DO COM- MEROIo, tinham os reaccionarios o apoio do orgam conserva- dor O BRASIL, dirigido por Francisco Belisario, ja entio adepto incondicional da political de Paulino de Souza, seu primo. Levantou-se, de novo, em 1884, tal como em 1871, a me- lindrosa question da interferencia dos estrangeiros nos nossos negocios internos, na discussio dos nossos problems poli- tico-sociaes. Objecto da polemica foi o portuguez Ramalho Ortigio, alma, como diss6mos, do Centro da Lavoura e do Commer- cio e grande influencia no seio da Associaco Commercial. A correspondencia daquelle Centro para as provincial era quasi sempre por elle exclusivamente assignada e, frequen- temente, as circulares ou cartas informativas continham upreciagoes acintosas, juizos temerarios, offenses is autori- dades publicas, que se affirmava estarem bandeadas para os abolicionistas. A proposito de Ramalho Ortigio, observou Joaquim Nabuco, annos depois: "Na Historia nio se teri visto mii- tas vezes a singularidade das classes conservadoras e diri- gentes de um paiz moveram-se A inspirago de um estran- geiro, que nio fosse o seu rei". Contra a intervenogo, que reputava indevida, do citado estrangeiro falou, na Camara, o deputado conservador An- tonio Pinto de Mendonga (do Cearg), que se dedicira de corpo e alma ao Abolicionismo, e cujo nome merece honrosa collocago entire os dos maiores obreiros da grande causa ci- vilisadora. (57) Tal como em 1878 no tristemente celebre Congreeso Agricola do Sul, presidido por Sinimbu, quem, ainda desta vez, representou os escravocratas de Guaratingueta, foi o fazendeiro Dr. Rodrigues Alves, future president da Re- publica. A proposito escrevia, por occasijo da sua morte, a insuspeita Noticia, do Rio: "Quando em 1884, o Centro de Lavoura e Commercio convocou outro Con- gresso, que se reuniu aqci no Rio de Janeiro, de novo o Dr. Rodrigues Alves veio representar o seu municipio. Neste Congresso foi violentamente diseutido o problema abolicionista e o Dr. Rodrigues Alves se notabilisou pelo ardor corn que defended a simples mar nutenefo da Lei de 28 de Setembro de 1871, contra todas as conceeeses novas reclamadas pelos liberals". -63 - Antonio Pinto, por duas vezes, tratou do assumpto, ex- plicando nao ser inimigo dos estrangeiros, mas nio poder permittir que um estrangeiro se immiscuisse nas quest6es da nossa eoonomia national, ligadas, por sua natureza, a poli- tica internal. Respondeu ao talentoso e esforcado representante do Cear4 o deputado, tambem conservador, pela Provincia do Rio, Pereira, da Silva ainda desta vez como em 1871, acc6r- de cor Paulino e Andrade Figueira. Os arguments do defensor do estrangeiro foram, pouco mais ou menos, os mesmos empregados, iquella data, embora cor different proposito, pelo visconde do Rio Branco, em defesa de Jos6 Feliciano de Castilho, tambem portuguez. Tinham-se invertido as situag6es: em 1871, era o grande emancipador, justificando a ingerencia do estrangeiro a bem da liberdade; em 1884, era o escravista, pleiteando em favor do estrangeiro o direito de combater a libertagio de brasileiros... Desde o inicio da sua administragSo, Dantas, proceden- do exactamente como o fizera e confessara Rio Branco, ha- bilitou seus amigos a defendel-o, nos sempre prestimosos a pedidos do JORNAL DO COMMEROIO. Leram-se, entio, bellos artigos de combat, devido is pennas de Ruy Barbosa, Gus- inmo Lobo (58), Joaquim Nabuco, Rodolpho Dantas e Bar- ros Pimentel, que mal se acobertavam com pseudonymos in- glezes (Grey, Wilbeforce, Garrison, Lincoln, Clarkson). Dahi veio o serem esses articulistas ironicamente appellida- dos por Martinho Campos os inglezes do Sr. Dantas. Em breve veremos que, para identificago dos meios de ataque e defesa, usados em 1871 e em 1884, nem faltaram as tremendas aggress6es ao Imperador. Mas, 4 tempo de voltar ao trabalho ministerial e ao parlamentar. Dantas, instado pela opposigio, anciosa de m6te para glosar, desculpava-se de nio apresentar o project, que an- nunciara, corn a necessidade de ouvir o Conselho de Estado. (58) De Gusmio Lobo escrevia Joaquim Nabuco, dois annos depois: "O Sr. Gusmao Lobo foi o principal confidence, animador e advogado do Sr. Dantas". (V. o opusculo ELEICOES LIBERALS E ELEICOES CONSERVADORAj, publicado em Marco de 1886, pag. 48). --64- Effectivamente, a 17 de Junho, convocou elle uma con- ferencia das sess6es reunidas da Fazenda, da Justiga e do Imperio, do Conselho do. Estado, afim de serem consultadas acerca de um questionario referente a escravidio, privia- mente enviado a cada um dos provectos conselheiros. Eram os quesitos relatives a localisagdo provincial da escravatura; ao augmento do fund de emancipagdo; 4 mo- dificago 'do process de arbittanmento do valor dos escravos; d Zibertaqdo dos escravos velhos; ao trabalho dos libertos. Realisou-se a reuniio no Thezouro Nacional, em o dia 95 de Junho, comparecendo Dantas, Paulino de Souza, o visconde de Paranagua, Andrade Pinto, Martim Francisco, Affonso Celso, Sinimbu, Lafayette e Vieira da Silva. Fal- tou, mas enviou seu voto por escripto, o conselheiro Jos6 Bento da Cunha Figueiredo. Manifestaram-se pelo statu-quo, opinando que o syste- m.a da lei de 28 de Setembro de 1871 resolveria o problema: - Paulino de Souza e Bento Figueiredo. Dividiram-se os outros a respeito das complexes ques- t6es, levantadas pelo president do Conselho. A idea da inamovibilidade provincial da escravatura (,que, como sabemos, ja vinha sendo lembrada desde 1854, quasi f6ra adoptada ern 1871 e fora renovada em projeoto de JS 80) obteve acceitagio da maioria dos conselheiros. Nao logron igual sorte a idea da libertaago incompensada dos escravos sexagenarios. Alguns conselheiros viram nella um attentado contra o direito de propriedade, e, logicamente, deduziram que, assim como podiam os velhos ser libertos sem indeimisagio, o mes- mo beneficio poderia caber aos mogos, o que se Ihes afigu- rava, entio, abominavel... Foram accords neste sentido Andrade Pinto e Sinimbu. Opp6z Lafayette algumas reser- vas opportunistas. Martin Francisco achava que, libertos os escravos de 60 annos, nio devia tocar aos ex-senhores a obrigagio de Ihes - 65 - dar habitag o, alimentos e vestuario, cabendo ao Estado fun- dar asylos para recolher taes emancipados. (59) Acerca da imposigio do trabalho aos libertos estiveram de acc6rdo todos os consultados, entendendo alguns que a lei deveria, tambem, attingir as pess6as livres, reprimindo se- veramente a vagabundagem. Foi Affonso Celso contrario a emancipagoo incompen- sada dos sexagenarios. Agitou a questUo referente a situa- gio juridica dos que tivessem de ficar livres em certo prazo. Pela primeira vez sustentou a these que, depois, muito desenvolveu segundo a qual os individuos em tal situagio passavam a statu-Eberi, isto 4, a homes que ji tinham ad- quirido a liberdade, cuja effectividade, entretanto, ficava dependendo de uma simples condigo de tempo. Adoptava Affonso OCelso, neste particular, a opiniio de Perdigio Ma- Iheiro. (60) Remetteram, tambem, respostas os conselheiros Teixei- ra Junior, visconde de Muritiba, visconde do Bom Retiro. Repelliram in limine, os dois viscondes, a libertaggo dos sexagenarios, tal como, em 1871, tinham combatido a idea do venture livre. Notou, dias depois, Ruy Barbosa, a formi- davel contradicgio em que cahira o visconde de Muritiba, involuindo acerca dos sexagenarios, pois em project da sua autoria, apresentado ao Imperador, em 1867, entire as bases da reform do element servil, apparecia esta: LibertagIo dos escravos, sem indemnisa- ago, que tiverem completed ou forem comple- tando cicoenta e cinco am'os". (59) Pensava differentemente, e com razao, o mais notavel dos antepassa- dos de Martim Francisco. De facto, no seu project, de 1828, consignara Jos9 Bonifacio de Andrade e Silva este dispositivo ( 80): "Todo senhor que forrar escravo velho, ou doente incuravel, sera obrigado a sustental-o, vestilo e tratal-o durante sua vida, se o forro nao tiver outro modo de existencia; e, no caso de o nio fazer, sera o forro recolhido ao hospital, ou caea de trabalho, a custa do senhor". Verdade 6 que, segundo informava, em 1867, Perdigio Malheiro "era mui- to commum os senhores abandonarem os escravos velhos e enfermos por nao poderem trabalhar". (A ESCRAVIDAO NO BRASIL, 8' part, appendice, pag. 152, notas). (60) Da interessante questao juridica daremos melhor noticia ezq outro ca- pitulo, quando ella tiver de ser lembrada, deante do ministerio Cotegipe, e em face da lei de 1885. E 6 - 66 - Nao ha como a historic da escravidio e da sua aboligio no Brasil para mostrar viravoltas do pensamento, quer no sentido do progress, quer no sentido contrario... Quanto a localisagio forgada, os velhos viscondes nao Ihe foram adversos. O augmento do fundo de emancipacgo lhes pareceu inopportuno, dadas as aperturas financeiras do Imperio. Teixeira Junior, o generoso auxiliar do visconde do Rio Branco na discussio da "lei do venture 1livre", observou, em .1884, que ella nunca f6ra bem executada e por isto nio dera os fructos promettidos. Respondendo ao questionario, lem- brou que, ji em 1870 e 1871, quizera tornar a escravatura inamovivel em cada provincia. Mostrou-se favoravel ao au- gmento do fundo de emancipacio, a modificacio no process de avaliagio de escravos. Discrepando, porem, das suas id6as humanitarias, foi contrario a libertagio sem indemnisagdo dos escravos sexagenarios, sustentando que, adoptada esta media, estaria victorioso, virtualmente, o principio da abo- ligo. (61) Recuava deante deste principio radical, por certas ra- ;z6es de ordem social-economica, que longamente expendeu, reproduzindo alguns dos argwmentos quw elle memo comba- tera em 1870 e 1871, ao propugnar pela liberdade dos nasci- uwos... A 10 de Julho, tinham respondido todos os conselheiros .consultados, em nome do Imperador, pelo chefe do gabinete. Antes desta data, eram j pronunciados, na Camara, os mais violentos discursos contra o ministerio, taes a impacien- cia e a impertinencia dos opposicionistas, conservadores e li- beraes colligados. (61) Nao pensava differentemente Ruy Barbosa, quando dizia: "Corn o ministerio 6 de Junho amanhece no governor a eda- de abolicionfsta. At6 ease tempo o abolicionismo lavrava na eon- sciencia public; mas a propriedade servil prelevava cor poderio abeoluto, acastellada no mundo official. O senador Dantas que- brou ease eneanto formidavel, negando, no project 15 de Julho, a propriedade-eseravidbo. A libertagio incompensada dos escravov sexagenarios era, em germen, a emancipafio gratuity de todos 9 escravos" (Discurso na sessio civic em homenagem no senador Jose Bonifacio, realisada em S. Paulo, a 8 de Dezembro de 1886). A despeito desta valiosissima opinion, continuamos sustentando que o pro* jectobantas nio tinha cunho verdadeiramente abolicionista. Adeante veremos que elle, tambem assim pensava, dois annos depois. - 67 - Foram primeiros na tribune, combatendo a orientagio d Figueira, deputados conservadores pela Provincia do Rio de -Janeiro. O governor teve extrenuo defensor na pessoa intelli- .gentissima de Ulysses Vianna, liberal, de Pernambuco. Afinal, no dia 15 de Julho, o deputado Rodolpho Dan- tas, filho do president do Conselho (62), apresentou o, an- -ciosamente, esperado project. Exprimia, no fundo, opportuna transacgao entire os dois ,principios: o escravocratico e o abolicionista; porque, si, de uma parte, concedia liberdade sem indemnisagdo aos sexa- ,genarios, e, assim, negava, em'these, a propriedade-escra- va; por outro lado, consignava, ainda, o direito a indemni- :sagio pecuniaria para alforria dos demais escravos. Acolhe- rao project varias providencias. muitas vezes propostas, in- clusive a da localisagdo provincial da esoravatura, que reu- nira quasi unanimidade dos suffragios no Conselho de Es- tado (63). Era o fundo de emancipacgo seriamente augmentado, por -meio de novos inpostos sobre os escravos, de uma taxa addi- cional de 6 10 sobre as contribuig6es directs e indirectas (resalvando os impostos de exportagio) e de pesados impos- tos sobre a transmission da propriedade-escrava. Por fim, nio permittia o projeoto fosse o escravo obje- ,cto de certos contracts, como o penhor, a venda a retro, etc. A leitura actual do project deixa, ainda, inexplicavel -o excepcional apoio que, no seu tempo, Ihe deram os aboli- cionistas mais intransigentes. Consagrava, 6 certo, o princi- (62) Entre os facts demonstrativos da felicidade political e domestic que .eempre acompanhou Souza Dantas, um seu co-provinciano e admirador salientou a circumstancia de powder, em vida, dar aos seus filhos quinh5es do seu prestigio, revendo-se corn org"lho, em alguns delles. De facto, nenhum grande politico bra- .sileiro assistiu a merecida elevapco da sua prole, como Dantas. Rodolpho Dantas, quando apresentara o project, ji nso era desconhecido na political. Dois annos antes, servira ccmo ministry no gabinete Martinho Cam- pos, occupando a pasta do Imperio. Acerca da interessante personalidade de Ro- dolpho Dantas, p6de ser lido o que Joaquim Nabuco publicou, em segunda edigio no livro Escriptos e Discursos Literarios, pags. 79 e Beguintes. (63) A prohibiQgo do trafico inter-provincial tinha sido consignada no ar- tigo lo do malogrado project de 1887, do qual sahiu, final, a let de 1850. As- aim dispunha: "E' prohibida a importario de escraves e pretos livres no terri- torio do Brasil, na qual se entende comprehendido a passage de uma para 9n- -tra provincial . - 68 - pio anti-escravista da alforria sem indemo~sagdo, quanto aoTs escravos de 60 annos, mas, no attinente A libertago dos ou- tros, nio 's6 nio fixava qualquer prazo, como, segundo seus, processes emancipadores, fazia supper que a vigencia do ca- ptiveiro ultrapassaria o fim do seculo XIX (64).. O project tivera assignaturas de 28 deputados, inclu- sive o conservador Severino Monteiro, do Rio Grande do, Sul, que, desde entio, ficou sagrado para o Abolicionismo' militant da imprensa e da tribune popular. Apresentando o project, pediu e obteve Rodolpho Dan- tas fosse elle enviado As commiss5es de justica e orgamento. Immediatamente, o president da Camara, Antonio Mo- reira de Barros, deputado liberal por S. Paulo, fazendeiro, grande proprietario de terras e criaturas humans, solicitou demissio do seu cargo, por ser contrario as ideas capitaes do. project e nao querer mal servir o governor, ou trahir suas- opini6es. Attitude innegavelmente correct. Collocada a questio de demissio do president no ter- reno da confianga, depois de vibrant discurso do liberal- abolicionista Affonso Celso Junior, deputado por Minas Ge- raes, foi o pedido approvado por 55 votos contra 52. Fraquissima e desanimadora maioria! Notou-se falta de apoio ao gabinete por parte de muitos liberaes, que, assim, se divorciavam do seu partido... Para bem definir as posig6es, o liberal Antonio Felicio, dos Santos, tambem de Minas, apresentou, no mesmo dia,. outro project, comn moderadas tendencies emancipadoras, pretendendo "fazer cessar o sobresalto da lavoura"... Externaram os conservadores toda a sua indignacgo em. um discurso violentissimo de Ferreira Vianna, involvendo. na mesma iracundia o ministerio emancipador e o Soberano, que o chamkra ao poder. Alludiu o ferino tribune influencia indebita, fatal e rndnosa do Imperador, a iquem attribuiu a intengio de en- (64) O project f6ra por Dantas encommendado ao saber juridico de Ruy Barbosa, que, nelle, (bem se comprehend) nio pudera dar surto as suas ideas pes- soaes, francamente abolicionistas, accommodando-se As contingencies da occasiao* e seguindo a orientaago, ainda timida, de quem Ihe confiAra tao ardua tarefa. fraquecer, dia a dia, ;a acgo dos partidos politicos, abatendo as respectivos chefes (65). Em oompensagao, dois dias de- pois, Affonso Celso Junior applaudiu, em nome dos liberaes situacionistas, a iniciativa emancipadora de Dantas. Ainda antes de ser dado o parecer das commiss6es, a pretexto de discutir o orgamento da receita geral do Impe- rio, outros deputados se pronunciaram a respeito do proje- ,'to. Foi assim que Cezar Zama, da Bahia, se declarou fran- ,camente abolicionista, na sessio do dia 21 de Julho, confes- .sando que, si Ihe f8ra possivel, iria al6m do governor, propon- Sdo uma lei corn este unico dispositivo: "fica immediatamen- te abolida a escravidao no Brasil". Do lado dos conservadores 4 digna de destaque a pr6via :adhesko ao project dos deputados Severiano XRibeiro, do Rio Grande do Sul, que o havia assignado, e Alvaro Cwmi- :aha, do Cear4. Era evidence, por4m, a unim o dos liberaes e conservado- Tes escravocratas, formando barreira contra o project. (66) Dahi nasceu a seguranga con que foram apresentadas ;as mogoes de 28 de Julho. Uma teve por autor Lourengo de Albuquerque. (67) Dizia assim: "A Camara dos Deputados, deplorando que, sem o seu apoio, o ministerio nio p6de continuar (65) Ja em 1878, Ferreira Vianna havia pubicado, na Gazeta de Noticias, depois tirando em folheto, seus LIBELLOS POLITICOS, nos quaes, principal- mente, prucurava demonstrar os perigos do "poder pessoal" do Imperador, que -elle reputava constituir o "falseamento da theoria constitutional, como poder ilimitado, perpetuo, unico e irresponsavel". Ao que parece, elle ja grangexra, desde muito, fama de pouco reverent para cor a pessoa do Monarcha. S6 assim Be explica o facto de Ihe haver sido .attribuida, cor insistencia, a autoria de um bem dissimulado acrostico, que, no dia 2 de Dezembro de 1868, o Jornal do Commercio publicou a proposito do an- "niversario do Imperador. As primeiras letras de cada verso formavam estas pa- lavras: O BOBO DO REI FAZ ANNOS... Temos, por4m, motiyos para crAr que o acrostico nao f6ra da lavra de 'Ferreira Vianna. (66) Esta tremenda opposiaio A passage do projecto-Dantas 4 facilmente explicavel. Alguns "senhores" seriam apanhados na propria armadilha que haviam urdido. De facto, ao dar muitos dos seus escravos, de origem africana, a matri- .cula, em 1872, tinham augmentado as respectivas idades, afim de esconder a circumstancia criminosa da sua importaqco depois de 1881 e mesmo depois de 1850 Dahi resultaria que africanos realmente mais moCos gozariam do beneficio ,outorgados aos sexagenarios, cor base na declaragio mentirosa dos seus "se- -nhores"... (67) Sobrinho de Cansansio de Sinimbu, o president do Conselho que fo- anentou o famoso Congresso Agricola e que quiz substituir a escravidfo dos megros pela dos chins. Sinimbu foi escravista ate final. - 69 - --70- na gestao dos negocios publcos, extranha este fa- cto, que consider de funestas consequencias para o regimen parlamentar e os altos interesses do Es- tado". Outra de Joio Penido, deputado por Minas Geraes: "A Camara, reprovando o project do gover-- no sobre o element servil, nega-lhe sua confian-- Em defesa do governor acudiu Ruy Barbosa, que, entio,. estava elaborando o parecer das commissoes acerca do pro- jecto. Embora seja superfluo, e de justice, lendo o discurso,. reconhecer que a defesa esteve & altura da causa. Stygmatisou Ruy as manobras da opposigio, tendentes ao abafamenta do project, mostrando quanto ella temia dis- cutil-o. Verberou o proceder dos conservadores que, contra-- rios ao governor e ao project, nio o revelavam desassombra- damente. Apontou, a proposito, o exemplo de Andrade Figueira,, cuja attitude silenciosa era tio different da que tiv6ra, em. 1871, ao combater o projecto-iRio Branco. No mesmo sentido, chamou ao terreno Paulino de Sou- za, diligente e activo em 71, mudo e quedo em 84... Alludindo ao parecer, cujo relator era, affirmou que, nio obstante a grandeza da tarefa, seria apresentado em breve prazo, nao gastando as commiss6es os 86 ou 87 dias. dispendidos pela que teve de estudar o project de 1871. Ponto muito interessante do discurso foi o em que o deputado bahiano indicou a contradiccio entire as attitudes: de 1871 e 1884, patenteadas por certos politicos. A'quella 6poca, atacavam o project de que sahiu, final, a "lei do' venture livre". Em 1884, combatendo o ministerio liberal, pu- zeram-se a venerar a lei. de 28 de Setembro, reputada como "garantidora da ordem e da liberdade". - 71 - Passkra, entio, o novo project a ser, como o outro o f6ra, qualificado: "projecto-fera, projecto-petroleo, pro- jecto-anarchista"... Em um lance dos mais inspirados, disse Ruy Barbosa: "Cada batalha que a solucao liberal do pro- blema perder aqui, no terreno politico; cada re- 'vez que julgar de infligir a grande id4a, esmagan- do sob o peso de votos um gabinete que o perso- nifique, seri, nao ama vantage para os interes- ses economics envolvidos nesta questio, mas um passo accelerado para a liberdade incondicional. 0 movimento parlamentar da emancipagao nao retrocede uma linha. Nio ha maioria corn forga para o deter. As vossas victorias apparentes re- verterdo contra v6s. De cada una dellas o espiri- to libertador reerguer-se-6 mais poderoso, mais exigente, mais affoito, reencarnado em um piano mais amplo. As concessoes moderadas, que hoje recusardes, amanhai ji nio satisfario a ninguem". Encerrada a discussion, foi posta a votos a moCgo-Pe- nido, em prejuizo da outra. Obteve approvacgo por 59 vo- tos, contra 52. Votaram pelo gabinete os deputados conservadores An- tonio Pinto, Alvaro Caminha, Escragnole Taunay e Severino Rihciro. Contra o gabinete liberal votaram 17 correligiona- rios, e alguns dos mais distinctos, quaes Lourengo de Albu- querque, Ratisbona, Carlos Affonso e Felicio .dos Santos. Desenhou-se nitidamente, assim, a necessidade da disso- lugio, que Dantas exp6z ao Imperador. Antes de resolver, o iSoberano consultou o Conselho de Estado. Tomaram parte, na reuniho respective, os conselheiros Lafayette, Martim Francisco, Paranagud, visconde de Muri- tiba, Paulino de Souza, Teixeira Junior, Affonso Celso, Si- nimbu, Jos6 Bento, Vieira da Silva e Andrade Pinto. S6- mente votaram de acc6rdo com a dissolugio os tres primeiros. - 72 - Nao obstante o resultado da consult, o Imperador acce- deu a dissolugio, subordinada a uma simples clausula: - seria executada depois de votada a lei de meios. (68) Foi o que Dantas communicou 4 Camara na sessAo de 30 de Julho. Conservadores e liberals dissidents nio se mostraram muito receiosos do appello is urnas, talvez con- fiantes no character de Dantas, que nio tinha pulso para for- te compressio eleitoral, ou certos dos effeitos da intense pro- paganda reaccionaria que haviam emprehendido. Nfo ob- stante, houve, na Camara, manifestag6es dignas de memorial, umas por sua geitosa brandura, como as de Lourengo de Al- buquerque (lado dissidente), Paulino de Souza (lado conser- vador); outras por sua desmarcada violencia, quaes as de Ferreira Vianna e Andrade Figueira. Opinou o ultimo no sentido de se near "a lei de meios", obrigando, por tal forma, o Imperador a estabelecer a di- ctadura financeira, "para guardar um ministerio desmora- lisado". O ataque de Figueira foi at6 ao extreme das ameagas revolucionarias e das insinuag.es irreverentes contra a pes- s&a do Imperador. (Repetem-se, ainda neste pass, as atti- tudes de 1871). Entre os politicos que, durante o 20 reinado, em momen- tos de insopitavel zanga partidaria, mais investiram contra a Cor6a, dois se notabilisaram, pelo desabrimento da lingua- gem, unido a lampejos de verdadeira eloquencia, que, alias, nelles eram muito frequentes. Foram Ferreira Vianna e Gaspar Silveira Martins. Sio celebres suas diatribes e objurgatorias anti-imperialistas. Mas em nenhuma as qualidades da cratoria peculiar a esses desa- bafos ficaram mais salientes do que no discurso proferido por Ferreira Vianna, no dia em que Dantas annunciou a dissolugoo. D'alguns trechos muito se utilisaram, maliciosamente, os republicans, para a propaganda contra o Imperio. (68) O Imperador poderia dispensar-se de ouvir o Conselho de Estado, quando intentasse dissolver a Camara, usando de uma das attribuiSges do Poder Moderador. Certo e que, em face da Constituigfo, elle era, neste caso, obrigado a consultar o Conselho (art. 142); mas, tendo sido este supprimido pelo Acto Additional, a consult se tornou facultativa, em virttde do art. 7 da Lei 281, de 23 de Novembro de 1841, a qual instituiu, de "novo, o Inesmo Conselho. - 73 - Acompanhando Andrade Figueira, Ferreira Vianna tambem negava a "lei de meios", mas o fazia, disse-o elle, como um protest 'de indignagko contra o principlee conspi- rador". Em outro topico, Vianna epithetou o Imperador "'senhor do imperio". E para o fim do discurso guardou esta aggressio: "Quarenta annos de oppresses, de omnipo- tencia, de victorias incruentas do poder armado contra a opiniio do paiz desorganisada; quarenta annos de desfallecimentos, de sujeig6es, de mur- murag5es, de timidos protests; quarenta annos de usurpagSes bem succedidas, de liberdade con- stitucional supprimida, terho talvez animado o podet a affrontar a opinion do paiz e a desferir sobre a Camara o golpe da dissoluguo. Sobre as ruinas do principado popular, o novo Cesar caricato ousa encorajar os que vacil- lam ou temem, repetindo: "Quid times? Cesarem non vehes?" Claro esta que, uma vez resolvida a dissolugio, s6 tendo .a Camara de cuidar do orgamento, ficira, naquella sessio, prejudicada a discussio do project. Apezar disto, as commiss6es cumpriram o seu dever, e, gragas ao estudo de Ruy Barbosa, conseguiram. apresentar, ,com 19 dias de vista, succulent parecer acerca do project. Trazia a data de 4 de Agosto. A commissio de orga- mento era composta dos deputados Souza Carvalho, (que *divergiu dos seus companheiros, elaborando parecer em se- parado), Antonio de Siqueira, Bezerra Cavalcanti, Ulysses Vianna, Zama, Felisberto Pereira da Silva, F. A. Maciel, Affonso Penna e Ruy Barbosa. Destes s6 nio tomou part no trabalho por ausente - Affonso Penna. A commissLo de justiga se compunha de Prisco Paraiso, Manoel da Silva Mafra e Lourengo de Albu- querque. Nho quiz o ultimo collaborar na apreciacgo do pro- - 74- jecto, desattendendo aos convites que Ihe foram dirigidos. O parecer consta de um opusculo cuja leitura integral e indispensavel a quantos versam o assumpto. Concluia pela proposta de algumas emendas, que nao alteravam, em sua essencia, o project. A dissolugio da Camara se verificou & 3 de Setembro, sendo convocada nova legislature para 10 de Margo.de 1885. Sobreveio o fervet-opw eleitoral, um dos mais renhidos a que assistiu a Monarchia. Antes, o governor fora vencido em eleiio senatorial na Provincia do Rio de Janeiro for- te baluarte do escravismo. Os candidates conservadores obti- veram o duplo da votagio dos liberaes, porque os dissiden- tes on ajudaram os adversaries politicos, ou se abstiveram. (.Sempre a questIo dos escravos dissolvendo os partidos mo- narchicos!) A lista triplice veio constituida exclusivaanente pelos tres conservadores Paulino de Souza, Pereira da Silva e Andrade Figueira, escolhendo o Imperador o primeiro, que f6ra mais votado. Tal como nesta eleigko parcial, travou-se o combat nas eleigSes geraes, nao em volta das bandeiras dos dois parti- dos politicos, mas, propriamente, entire os que adoptavam e os que repelliam as ideas emancipadoras do gabinete. O Sr. Tobias Monteiro, documentado no seio da fami- lia de Dantas, deixa entrever que o Imperador, para dar arrhas de independencia e imparcialidade, fiscalisou de mui- to perto a acgho do president do Conselho, diminuindo-lhe o prestigio e a coragem. E' de supper, todavia, tenha o governor empregado re- cursos ao seu alcance para veneer, mas, (em contrario ao que,. depois, disseram os opposicionistas) taes recursos nao reves- tiram f6rmas graves de corrupgfo on de violencia. O resultado nao foi dos melhores para a situag.o. Em 1 escrutinio, appareceram eleitos 48 liberals e 40 conservadores. Em 2 escrutinio, 19 liberaes, 15 conservado- res, 3 republicans (69). Muitos dos liberals eleitos nio vinham engrossar as fi- (69) Os deputados republicans foram.: Campos Salles, Pr;dente de Moraes (por S. Paulo), Alvaro Botelho (por Minis Geraes). - 75 - leiras governistas, pois eram contrarios 6 idea emancipado- ra, segundo a formula do gabinete-Dantas. Demais, surgiram duplicatas de todos os ladlos, entrecu- savam-se accusacges de fraudes, chocavam-se protests de uma e de outra parcialidade. A .pequena superioridade numerica, que poderia obter o Governo, tinha de ser contrabalancada, por tres circum- stancias lamentaveis. Primeira: o governor f6ra derrotado na pess6a de um ministry, o Dr. Joio da Matta Machado, que perdera a elei- gio no 170 Districto de Minas Geraes, entrando, no seu logar, o Dr. Antonio Felicio dos Santos, candidate do bispo dio- cesano e dos "senhores de escravos". (70) Segunda: nio conseguira o governor fazer vingar, na. Bahia, a candidatura do seu maior esteio na Camara, o rela- tor do parecer favoravel ao project, Ruy Barbosa. Terceira: nio f6ra, desde logo, reconhecido o deno- dado pioneiro do Abolicionismo Joaquim Nabuco, que vi6ra eleito, mas contestado, de Pernambuco. Apressou-se, Matta Machado, uma vez perdida a elei- Ego, em dirigir ao president do Conselho altiva carta politi- ca, pedindo demiss.o de ministry de Estrangeiros. Mostrava como o pleito f6ra collocado no terreno do antagonismo acer- ca da escravidho, vencendo o candidate que "havia hasteado. a bandeira negra do escravagismo intransigente". Respondendo, lamentou Dantas a perda do seu auxiliar, mas se mostrou esperangado da victoria, declarando: "0 gabinete de 6 de Junho estA bem conven- cido de que tern cumprido o seu dever, e seguro, de que a id6a capital do seu programma trium- phar6 finalmente pelo voto national, como jg triumphou no coragio de todos os brasileiros". (70) At6 aquella data tinham perdido nas elei~Ses os ministros seguintes,. que, por isto mesmo, foram obrigados a deixar as respectivas pastas: o con- selheiro Jos6 Antonio da Siva Maya, ministry do Imperio, em 1880; baraoc Homem de Mello, da mesma pasta, e o conselheiro Pedro Luiz, da dos Estran- geiros em 1881, quando era president do Conselho Saraiva; o conselheiro Paula e Souza, no anno seguinte, quando servia como ministry da Marinha corn Mar- tinho Campos; o conselheiro Padua Fleury, ainda em 1882, sendo ministry da Agriculture, corn Paranagui. Notar-se-a, sem custo, que as tres ultimas derrotas ministeriaes se deram sob o regimen da lei da eleieio direct, obra de Saraiva, e a melhor de toda sua vida political. - 76 - 0 desastre da eleigio de Ruy Barbosa, apresentado pelo 8 Districto da Bahia, fbra, essencialmente, devido a vehemente opposicgo clerical, que j6, antes, procurAra affas- tal-o do Parlamento. Fundavam-se os padres e os seus alliados de sacristia na supposico erronea de ser Ruy Barbosa atheu, ou, pelo me- nos, inimigo da religion catholica, e tiravam seus argumen- tos do celebre ,prologo que elle escrev6ra para a traducgio, ,em lingua portugueza, da obra de Janus, 0 Papa e o Con- dcilio, aliAs pouco lida e menos comprehendida por tio irre- ductiveis adversaries. Entrou para a Camara, no logar de Ruy, o Dr. Inno- cencio Marques de Araujo G6es (71). Quanto a Joaquim Nabuco, lograra ganhar a eleigao no Recife. gragas aos esforgos denodados dos abolicionistas lo- caes, de quem, depois, falaremos; mas, na Camara, os colli- .gados contra o gabinete conseguiram adiar o reconhecimen- tc, visando inutilisar um element de primeira ordem. Veremos como se enganavam, retirando, da tribune par- lamentar para a popular, a formidavel e convincente pala- vra do orador abolicionista. Nas condig6es em que ficou quasi constituida a Camara, tornou-se impossivel dar andamento ao project. Para essa .impossibilidade contribuiu grandemente o resultado da elei- cao da mesa. Ligados liberaes e conservadores pela mesma id6a de opposiCgo ao gabinete, a 13 de Fevereiro de 1885, com a pre- senga de 106 deputados, elegeram president da Camara Mo- reira de Barros, liberal dissidente, por 56 votos, contra 45 dados ao condidato ministerial Martim Francisco (72). Appareceram 5 cedulas em branco. (71) Em 1888, por occasiao de se votar, forga e is pressas, a lei defi- nitivamente libertadora, foi este mesmo deputado (do partido conservador) quem apresentou uma emenda no sentido de entrar a alludida lei em immediate execugfo I... (72) Martim Francisco Ribeiro de Andrade, irmao de Jose Bonifacio, que continuamente vinha representando a provincia de S. Paulo e a tradigfo liberal da sua familiar. Foi ministry, em 1866, corn Zacarias de G6es e Vasconcellos, tendo vido, portanto, testemunha e collaborador das primeiras tentativas emancipadoras do Imperador. A elle coubera, Aquella dpoca, responder aos emancipadores francezes. (V. nosso opusculo A lei do VENTRE LIVRE, pag. 10). Posteriormente, em varias situaq6es, sempre como temos visto se manifestou emancipador adeantado. -.77 - Escreveu o conselheiro Ottoni, em suas Memorias ine- ditas: "Dos 56 cerca de 45 eram conservadores, que votararm. no liberal, porgue parecia sustentar a escraviddo". E, de fa- cto, a explicaio da votagio se encontra na conhecida atti- tude escravista de Moreira do Barros, fazendeiro em Tau- bat6. A eleicio a que alludimos f6ra para a mesa provisoria. A eleigfo da mesa definitive realisou-se a 11 de Marco,. sendo confirmada a presidencia de Moreira de Barros, que obteve 45 votos contra 34, dados ao candidate do ministerio, Joao Ferreira de Moura (da Bahia). Para vice-presidentes, foram reeleitos Lourengo de Albuquerque, liberal-dissiden- te, e o bario de Guahy, conservador. 0 governor logrou collocar na mesa um vice-presidente, Franklin Doria, deputado por Piauhy, e o 1 secretario, Af- fonso Celso Junior. Cor a mesa da Camara por tal f6rma constituida, sem. custo se podem calcular as difficuldades que experimentava o governor, para resistir aos embates da. opposigio e dar an-- damento ao seu projecto... A sessio extraordinaria, de que estamos tratando, tinha sido aberta a 8 de Marco, e o Imperador dissera, na fala do. throno: "A present sessio extraordinaria foi acon- selhada pela necessidade, a que certamente corres- pondereis com a maior solicitude, de resolver- acerca do project, que o governor julga util, a extincco gradual da escravidio em nossa patria,. conforme o desejo de todos os brasileiros, de modo que o sacrificio seja o menor possivel, sem obstar- ao desenvolvimento das forgas productoras da. nagio" (73). ComeCando a funccionar a Camara, verificou-se que o. gabinete tinha o apoio firme de 53 deputados, cujos nomes. (73) Transcrevemos o trecho literalmente da obra official em que foranm publicadas todas as falas do throno e respectivas respostas, embora nos parega. haver falta de uma palavra. e parcialidades political devem ser citados: Satyro de Oli- veira Dias, liberal, do Amazonas; (74) Antonio de Almei- da Oliveira, Manoel Bernardino da Costa Rodrigues e Josi Vianna Vaz, todos liberaes, do Maranho; Candido Gil Cas- tello Branco e Franklin Americo de Menezes Doria, liberaes do Piauhy; Fred-erico Augusto Borges, Antonio Pinto de Mendonga, Alvaro Caminha Tavares da Silva, conservado- res e Miguel Joaquim d'Almeida Castro, liberal, do Ceari; Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti, Jose Moreira Brandio Castello Branco, liberaes, do Rio Grande do Norte; Manoel Dantas Corrga de G6es, liberal, da Parahyba; Jos6 Marian. no Carneiro da Cunha, Joaquim Tavares de Mello Barreto, Segismundo Antonio Gongalves e Ulysses Machado Pereira Vianna, liberaes, de Pernambuco; Francisco Ildefonso Ri- beiro de Menezes, liberal, de Alagoas; Joao Ferreira de Moura, Francisco Prisco de Souza Paraiso, Francisco Maria Sodre Pereira, Ildefonso Jos6 de Araujo, Antonio Carneiro da Rocha, Joao dos Reis de Souza Dantas Filho, Aristides Cesar Espindola Zama, Juvencio Alves de Souza, e Aristi- des de Souza Spindola, liberaes, da Bahia; Leopoldo Au- gusto Deocleciano de Mello e Cunha, liberal, do Espirito Santo; Alfredo Camillo Valdetaro, Adolpho Bezerra de Me- .nezes e Carlos Augusto da Franga Carvalho, liberals, da CSrte e do Rio de Janeiro; Martim Francisco Ribeiro de Andrade, liberal, Manoel Ferraz de Campos Salles, Pruden- te Jos6 de Moraes Barros, republicans, de S. Paulo; Ma- noel Alves de Araujo, liberal, do Parana; Duarte Paranhos Shutel, Manoel da Silva Mafra, liberaes, de Santa Cathari- na; Antonio Eleuterio de Camargo, Joaquim Pedro Salgado, Egydio Barbosa de Oliveira Itaqui, Francisco Antunes Ma- ciel, Jos6 Francisco Diana e Joaquim Pedro Soares, liberals, do Rio Grande do Sul; Candido Luiz Maria de Oliveira, Carlos Affonso de Assis Figueiredo, Eduardo Augusto Mon- tandon, Ernesto Pio dos Mares Guia, Affonso Celso de Assis Figueiredo Junior, liberaes, Alvaro Augusto de Andrade (74) Admiravel e lamental nio poder figurar nesta lista, e, tambem, ideputado liberal pelo Amazonas Adriano Pimentel, que, na legislature anterior, estivera ao lado de Dantas, merecendo titulo de socio benemerito da Confedera- vto Abolicionista, por occasifo da libertagio daquella provincia... --78 - - 79 - Botelho, republican, de Minas Geraes; Andr6 Augusto de Padua Fleury, Jos6 Leopoldo -de Bulh6es Jardim, liberaes, de Goyaz; Augusto Cesar de Padua Fleury, liberal, de Matto Grosso. Ber se vA quho optimist f6ra o president do Conselho, ,quando, escrevendo a Matta Machado, se affirmira capaz de veneerr a resistencia parlamentar, derivada da colligagio an- ti-abolicionista... Certo, elle tinha a animal-o a sympathia da imprensa, com excepgio de um unico journal, nesta cidade. Por outro lado, os abolicionistas, pelo seu orgam, a Gazeta da Tarde, :nao poupavam doestos aos adversaries do gabinete, ao mes- mo tempo que, pessoalmente, concorriam As galerias da Ca- mara, procurando exercer mal dissimulada pressio no animo "dos indecisos. Para se avaliar qual a situaggo vantajosa do ministerio deante da imprensa, basta transcrever um trecho do artigo publicado na parte redactorial do JORNAL DO COMMERCIO, a proposito da votagko da mogio-Penido, verificada como sa.bemos, a 28 de Julho de 1884: "0 voto da Camara foi um erro de que, oxa- 16, nao tenham de se arrepender e n6s todos de la- mentar. O project do governor podia ser emen- dado, modificado, alterado on ampliado, oomo quizessem; rejeital-o sem discutil-o significa nio querer nada e aqui o nada 6 impossivel agora. A torrente jk se despenhou no molite; mode- rar-lhe o curso 6 de prudent political; antepor- Ihe um dique 6 obrigal-a a reprezar-se momenta- neamente at6 que, eugrossada, ella rompa o estor- vo e no impeto da qu6da tudo arraste comsigo, espalhando ruins em torno. Nada querer aqui 6 desafiar tudo. S6 cegos deixargo de ver que nao poderemos, por tempo indefinido, nem resistir no interior a corrente da oppressio, que vae tudo -80- avassalando, nem nos. sustentarmos no exterior, unico paiz civilisado com escravos na communhio' das naeSes". ........................................ Mas todos estes elements nio davam forga propriamen- te parlamentar, nao criavam maioria, para um caso de cho- que entire as duas parcialidades. Isto se patenteou, nas condig6es que vamos rapidamen- te exp6r. Embora desavindas, tinham combinado a presi- dencia do Conselho e a da Camara que nio entraria em dis- cussio o project n. 48, antes de bem apurada a legitimida- de de todos os representantes da nagao. Pareciam quasi terminados os trabalhos do reconheci- mento dos poderes, quando, em nome do governor, Candido de Oliveira, ministry da Guerra, pediu fosse -designado para ordem do dia 13 o project motivador da dissidencia, da dissolugio e do mais que se seguiu. Cabem, aqui, justas referencias ao alludido membro do governor. O notavel jurista exerceu, aquella 6poca, junto ao Parlamento, a mesma delicada missfo que a Joio Alfreds coub6ra em 1871, cor a differenga de ser mais frequentador da tribune. Era Candido de Oliveira quem tal qual o outro fis- calisava as forgas -parlamentares do governor, procurava dis- farg.r o desanimo, manobrava de maneira a prevenir a insi- diosa falta de numero, evitando que o president Moreira de Bars tivesse press de fazer proceder a chamada. Dizia-se at6, por malicia, que chegkra a mandar atrazar, por vezes, o relogio da Camara. Mais tarde seri, tambem, accusado de animar assuadas a dissidents notorious. Nova malicia. Verdade 6 que, na phase mais aguda do ataque ao gabi- nete-Dantas, elle representou, na Camara dos Deputados, papel saliente, soffrendo, por isto mesmo, toda sorte de accu- sac5es, algumas mais pesadas do que as que, de reliance, re- cordimos. A tudo resistia; e, nio obstante graves defeitos de di- cgio, conseguira dominar, mais de uma vez, a assemblea. i - 81 - Obteve Candido de Oliveira se marcasse o dia 13, para comegar a discussio do malaventurado project. Por today parte, na imprensa da C6rte, na das provin- cias (principalmente S. Paulo, Rio e Minas), nos centros de agricultores e de commerciantes, nas rodas political, f6ra esperado o choque, cor anciedade. Os abolicionistas enche- ram, naquelle dia, as galerias da Camara e invadiram algu- mas das tribunas destinadas aos diplomats e a outras pes- s6as de distincgio. Haviam preparado os colligados contra o governor uma moggo em terms precisos acerca da questao do element ser- vil. Encarregou-se de apresental-a Moreira de Barros, que passou a cadeira da presidencia. Trazia a mogio a assigna- tura do seu apresentante e as de Affonso Penna, Joao Peni- do, Benedicto Valladares, Sinimbu Junior, Silva Mascare- nhas, Jos6 Pompeu, Felicio dos Santos, Lourengo de Albu- querque e Antonio Carlos, todos liberaes, em dissidencia. Pelo governor falou Candido de Oliveira, mostrando as manobras meramente abafadoras dos adversaries, que nio se batiam no terreno das id4as, nio analysavam o project, nao se mostravam dispostos a emendal-o; mas, tio s6mente, con- demnavam o ministerio, por ter ousado encarar de frente tao serio problema social-economico, alias honrando os compro- missos do partido liberal, a que extranhamente pertenciam os signatarios da mogo, cujo theor era este: "A Camara dos Deputados, nio acceitando o system de resolver sem indemnisaaio o problema do element servil, nega seu apoio a political do gabinete". Affonso Celso Junior, que, nas funcg6es de 1 secretario, se vinha esforgando, quanto possivel, pela political do gabine- te emancipador, pediu preferencia para ura mocgo gover- nista, exactamente em sentido contrario. Procedendo como Rio Branco, em 1871, o president do Conselho, present na Camara, muito applaudido pelas ga- lerias (a despeito das observag6es regimentaes) defended, T 7 - 82 - cor alma, a sua political, a sua pess6a, e os extremados abo- licionistas populares (75). Postas em votagpo as mog5es, empataram os votos pr6 e contra o governor. Dantas, porem, sustentou que nao havia motivo para de- missio do ministerio e nisto assentiu o Imperador, cor quem elle se entendera a respeito. A' mesma 6poca, se agitava fortemente o Senado, que, a despeito da sua indole e do principio regulador do regi- men, sempre se intromettia nas questoes de confianga e que- ria, tambem, fazer cahir ministerios... Ali grangeara Dantas, desde o principio, o apoio de duas vozes poderosissimas, e ambas de evoluidos, isto 6, de politicos que, em outras 6pocas, se tinham nmostrado pouco ou, mesmo, nada favoraveis A emancipagho. Era um Jose Bonifacio de Andrade e Silva, senador por S. Paulo desde 1879. Nos ultimos annos da sua vida, foi dos mais dedica- dos pregadores da Aboligko, sob certas pequenas reserves. Penitenciando-se de passada adhesio ao escravismo, elle a qualificava seu "peccado". 0 gabinete Dantas forneceu- Ihe occasiio para eloquentes discursos, favoraveis ao proje- cto emancipador. O outro desde 1882 vinha fazendo penitencia. Era o se- nador Christiano Benedicto Ottoni, entrado na Camara vi- talicia. tambem, em 1879, por indicagao eleitoral da provin- cia do Espirito -Santo. Sabemos como, estando temporariamente f6ra do Parla- mento, tinha sido, em 1871, contrario a "lei do venture livre". Nove annos depois principiara a mudar.. Corn a subida de Dantas, revelou-se decididamente emancipador, e adeantado. Sua mais notavel manifestag6o foi na sessao de 21 de Junho. Martinho Campos, na vespera, verberAra o proceder dos colleges, que nio se mostravam pressurosos em tomar co- nhecimento de representag6es vindas do interior tal como em 1871 contra o movimento abolicionista, e as tenden- (75) Tao fortes foram as emog5es experimentadas pelo president do Con- selho que Ihe vergaram o robusto organismo: teve Dantas uma syncope, em ple- na Camara. - 83 - cias emancipadoras do governor. No seu discurso chamira Martinho Campos aos propagandists da Abolicgo "attrabi- liarios das ruas", e censurira os professors da Escola Poly- technica, que acabavam de dirigir ao paiz um manifesto mo- d conforme, tambem, diss6ra Martinho Campos; mas, sim, de uma evolucgo da opinido public, que se Ihe afigurava pa- tente. inilludivel, "dominando a situagho e pedindo, a voz em grita, a acceleracgo da aboligio dos escravos". Mao grado essas duas sympathicas attitudes, nio -bstante o apoio moral de conhecidos emancipadores, da tem- pera de Francisco Octaviano, Silveira da Motta, Assis Mar- -tins, Floriano de Godoy, o Senado foi sacudido por mais de uma vehemente reclamacgo contra a teimosia do ministerio Dantas, querendo se conservar no poder sem elements para Tealisar o seu programma. Entre os protests da especie indicada, cumpre assigna- lar o do fogoso tribune liberal Silveira Martins, entlo ainda nao bem evoluido para o principio da emancipasio. Outros succederao, em poucos dias, a proposito de as- sumpto different, mas ligado 6 questio da Aboligio. Todo o mez de Abril tinha decorrido e, na Camara, nem se haviam terminado os reconhecimentos, nem se ini- iira a discussion do project. A nova crise ministerial im- pedira uma e outra coisa. Entretanto, era precise encerrar -a session extraordinaria, para ser possivel abrir a ordinaria na 6poca do costume. Obviou-se a esta diffluldade, com o Decreto Imperial de 3 de Maio, prorogando a sessio extraordinaria at6 20 do inesmo mez. A 4 de Maio foi positivado, na Camara, um facto que, antes, jA f6ra arguido contra o ministerio, no Senado, por parte dos conservadores Paulino de Souza e Teixeira Junior (visconde do Cruzeiro) e do liberal Francisco de Carvalho Soares Branddo: dizia-se que o governor tolerava vaias e ou- -tras offenses que visavam alguns deputados contrarios ::o project. Isto se allegira, mas, sem apontar determinadas victims. - 84- Ora, no citado dia, o deput'ado liberal por Pernambuco. Antonio de Siqueira, falando por si, pelo president da Ca- mara e por outros adversaries do project, deu-se e aos seus companheiros por victims de assuadas e chocarrices, a sa- hida da Camara. Terminou o seu discurso comn o offerecimento da mogio seguinte: "A Camara dos Deputados, convencida de que o mi- nisterio nao p6de garantir a ordem e seguranga public, que e necessaria a resolugio do element servil, nega-lhe a sua confianga". Assignaram, com Antonio de Siqueira (ate a vespera tido por indeciso), os dissidents liberals Affonso Penna, Lourenco de Albuquerque, Joio Penido, Benedicto Vallada- res. Jose Pompeu e Felicio dos Santos. Quem nos estiver acompanhando deve ji ter observado, quanta razio coubera a Ruy Barbosa, para extranhar e cen- surar o piano manhoso dos conservadores, abstendo-se de pro- vocar, directamente, as crises ministeriaes, deixando na expresso popular que os liberaes se arranjassem entire elles. Parece que essa maneira de agir por omissdo obedecia a prudencia de Paulino, tendente a evitar fosse levada 6 con- ta de "ancia de subida", a opposigfo feita ao ministerio, no' terreno da sempre perturbadora question do element servil. Foi, ainda desta feita, Candido de Oliveira o encarrega- do de responder pelo governor, do quaJgra part. Cor juste- za, ponderou ser inopportune e insidiosa a apresentagao da, mogIo novo recurso para escapar A discussAo do project. Infelizmente, a Camara nio estava today constituida, pep- diam de debate ou votagio alguns pareceres e duplicates. Os: opposicionistas, si laborassem em boa fM argumentava o ministry da Guerra deveriam esperar ficasse completa- mente organisada a Camara, para, entao, se verificar si o governor estava em minoria, como vinha sendo propalado, da. part adversa, no seio do corpo legislative e na imprensa. Retrucou a Candido de Oliveira o activissimo dissident: Lourengo de Albuquerque, o qual, imputando, sem reserve, ao governor a respongabilidade das assuadas e dos desacatos - 85 - osoffridos pelos adversaries, insinuou que o gabinete queria impor, aterrorisando, a reform projectada. Occupou, tambem, a tribune, o deputado Siqueira, nova- -mente narrando o caso a seu modo e abundando em identi- .cas insinuacoes. Foi em seguida votada a mogo. Por ella estiveram 52 .deputados, sendo 43 conservadores, 8 liberaes e 1 republica- no. Contra: 50 deputados, sendo 45 liberaes, 3 conservado- :res e 2 republicans. Nesta situacgo, s6 o Imperador poderia, usando, mais unma vez, da sua prerogative, salvar o gabinete desprestigia- -do, dissolvendo a Camara. Pedro II que, na cruise ante- 'rior, ja menosprezara o parecer, contrario k dissolugio, do ;Conselho de Estado, entendeu que seria de mio effeito o seu apoio, dando motive a novas investidas contra o sempre arguido "poder pessoal". Recuou, concedendo demissio ao ministerio. Pelo que .se deduz do discurso proferido, post factum, na Camara, por Candido de Oliveira, fidedigna testemunha, Dantas havia solicitado a dissolucio e o Imperador tinha Ihe ponderado ,que a Camara f6ra eleita sob o ministerio delle, e, sendo assim, ';dao se dava a hypothese que se offerecera da outra vez, em fius de Julho de 84. Dantas nko insistiu, cahindo, segundo a phrase consa- :grada, "nos bragos do povo". Parece que Dantas, influenciado pela sua ulterior pai- .xao abolicionista, queixara-se, depois, do Imperador, deixan- ,do transparecer que este rompera o pacto, abandonando-o -com a sua idea entao, apenas, emancipadora. Faltam-nos ele- mentos seguros para ajuizar daquella mudanga de attitude ,do Monarcha Brasileiro. Do que nio nos 6 licito duvidar 6 da sua accentuada e persistent opposiAo a escravidao e do *ieu constant desejo de a supprimir. Temos a respeito testemunhos uniforms de todos cs partidos, inclusive o republican. SNa occasiio da luta, por vezes, os monarchistas aboli- ,ionistas descreram da b6a vontade de Pedro II; mas, ipreciados posteriormente seus actos e reflectidas suas pala- ras, todos se convenceram de que, no meio de algumas vaci- - 86 - lag~es, impostas pelo regimen constitutional e por circum- stancias do moment, o Imperador nio se comprazia no meio, da escravidio, nem jamais Ihe dera a solidariedade da Cor a. Joaquim Nabuco que, agitado pela febre da polemica, escrev6ra phrases several no ABOLICIONISO (1883) e no( ERRO DO IMPERADOR, assim como ironiskra no ECCLYPSE DO. ABOLICIONISMO (1886), rendeu-se a evidencia, quando, ja cal- mo e mais bem documentado, formou definitive opiniio, na. monumental biographia do conselheiro seu pae. Em 1880, o insuspeitissimo Ubaldino do Amaral, que nunca mostrira desejos de se approximar do throno, e que, quanto 6 sinceridade, foi sempre o mesmo home, numa con- ferencia, pronunciada a 24 de Outubro, sob os auspicios da Associago Central Emancipadora, dizia: "Em prol da Aboligio s6 ha dois combaten- tes: N6s, os anonymous, a alma generosa do povo, brasileiro, anhelando reparar as injustigas e os crimes da geraio passada; E o Imperador, a vontade supreme neste paiz. Foi elle o principal motor da lei de 1871; si quizer entrar por um largo portico, e do modo mais brilhante, no temple da Historia, cumpre- Ihe quanto antes completar essa obra e dar-nos a Aboligo". O conselheiro Ottoni, o menos aulico de todos os conse- iheiros, dando balango ao activo e passive do Imperadorr lanCou entire as "verbas" do activo: "a sua iniciativa para a libertagio dos escravos" 0 chronista do Imperio Ferreira Vianna Filho. (Sueto- nio) que, no seu ANTIGO [REGIMEN, havia duvidado das in- teng6es, pelo menos emancipadoras, de Pedro II, modificou, tempos depois, tal opinion. 87 - Escrevendo, em 1905, na excellent revista Os ANNAES, (do sempre saudoso Domingos Olympio) um artigo acerca de Josg do Patrocinio, reconheceu que, mesmo antes do sen- sacional trecho da fala do throno de 1867 (76), o Impera- dor era adversario do escravismo e que, com a sua iniciativa na lei de 1871, elle f6ra o maior emancipaddor do Brasi. Nio nos parece, pois, razoavel attribuir a quida do ga- binete Dantas a mudanga no pensar de Pedro II. Em verda- de, o sympathico senador bahiano nio tiv6ra, em 1885, o pulso firme do 10 Rio Branco, em 1871. Esta foi a falta. Ou os inimigos da reform haviam aproveitado aquella ligo e foram mais habeis. (76) V. nosso opusculo A LEI DO VENTRE LIVRE. MINISTERIO SARAIVA. LIGEIRO PARALLEL: DANTAS E SARAIVA. MUDANQA DE TA- CTICA DOS CONSERVADORES. A APRESEN- TACAO DO PROJECT. AS EMENDAS DE ANTONIO PRADO. -- A OP'POSIQgO. DIS- CURSO DE JOAQUIM NABUCO. A IMPREN- SA E A TRIBUNE POPULAR. COMO E POR- QUE OAHIU O MINISTERIO. Sendo forgado, pelas circumstancias expostas, a nio conceder a Dantas segunda dissolugio da Camara, voltou-se o'lmperador para o chamado Messias da Pojuca, o senador bahiano Jos6 Antonio Saraiva, que, como sabemos, presidira o ministerio de 28 de Margo (1880). Cheg6ra elle 6 posisgo de chefe incontestado do partido liberal sem visivel esforgo, sem actos de grande brilho. Dispondo de imponente physico, rico, austero de costu- mes, sem filhos, sem pesada clientella de amigos ambiciosos, pouco servigal por indole, nao tinha preoccupag6es oom o dia de amanhi, nem era obrigado a contrariar interesses extra- nhos, para ajudar os intimos. Pouco exuberant de palavras, nao sentia necessidade de manter credits de letrado. nem de erudito; bastava-lhe a dupla qualificago de provecto e experience, que vinha qua- Si bempre ligada 6 citagOo do seu nome. E tanto n.o se im- portava cor o que se pensasse da sua penuria literaria que, certa vez, confessou ser, apenas, ledor assiduo da REVISTA DOS Dois MUNDOS... S-90- Para augment do seu prestigio tinha a confianga con- stante do Imperador, da qual, alias, nio abusava. Contrastava sua figure political cor a de Dantas, e maior ainda era a differenga em face da luta partidaria, Ambos liberaes, supportaram desigualmente o amargo ostracismo que decorreu de 1868 a 1878. Nio transigiu Sa- raiva, mas, tambem, nao batalhou apaixonadamente. Dantas nao s6 ficou firme; tratou de organisar, na Ba- hia, as forgas do partido; alimentou, cor sacrificio, a f6 dos timidos e vacillantes; grangeou sympathies e adhes6es; com- bateu os adversaries enthronisados no poder, diminuindo- Ihes as vantagens da situagco. Consequencia: quando foi chefe de gabinete, encon- trou, do lado dos conservadores, opposigco tenaz, que nio era tanto feita ao partido quanto a elle, pessoalmente. Por isto mesmo, vamos observer que, corn Saraiva, a attitude do partido contrario foi outra. Entre elle e os con- servadores nio havia recordag6es que tivessem cavado abys- mos, nem resentimentos nascidos de contas ainda mal ajus- tadas (77). Recebendo do Imperador o encargo de organisar minis- terio, a 5 de Maio, Saraiva escolheu, de prompto, os seus collaboradores: para a pasta do Imperio, o senador Meira de Vasconcellos; para a da Justiga, o deputado Affonso Pen- na; para a de Estrangeiros, o senador visconde de Parana- gu4; para a da Marinha, o senador Luiz Felippe de Souza Leio; para a da Guerra, o deputado Antonio Eleuterio de Camargo; para a da Agricultura, o deputado Joio Ferreira de Moura. Guardou para si a pasta da Fazenda, que, de con- mum, era a dos presidents dos Conselhos. (77) Entre os partidarios de Saraiva havia constantes referencias ao let pendor para o conservatorismo. Na Constituinte, da Republica, da qual fez part como representante da Bahia, alludiu Saraiva a essa apreciagfo dos seus pro. prios amigos, declarando, entretanto, nio ter ella fundamento. (V. ANNAES, vol. I, pag. 842). A sympathia dos conservadores para corn Saralva 4 confessada por um con- servador puritano, o conselheiro Pereira da Silva (V. MEMORIAS DO MEU TEMPO, vol. II, pag. 207). Joaquim Nabuco, por seu turno, escrevendo muitos annos depots da campUr nha abolicionista e tecendo a Saraiva os mais insuspeitos elogios, confirms aue enunciamoes no texto: "Na questAo da eseravidlo elle defxou bem patented 5 solidez da sua estructura conservadora". (UM ESTADISTA DO IMPERIO, NA. BUCO DE ARAUJO, T. 20, pag. 60). |
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