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Ano I e N5 5 *Bel6m, janeiro de 200 R$ 3,00 L c i o Fl d vio Pi n to CABANAGEM ANQ 185 Quando a Inglatetra nao quis tentar ser a dona da Amaz6oia e quisesse, a Inglateira poderia ter tentado se apo- derar de pelo menos pma parte da Amaz6nia na pri- meira metade do s6eulo XIX, aproveitando-se do estado de caos da regiAo em conseqiiencia da Caba- nagem e da fraqueza do nascente imperio brasileiro. Essa convicCgo, inovadora em relagAo k bibliografia existente sobre a maior revolta de massa da hist6ria national, depreende-se da leitura de uma coleglo de documents do SMnisterio das Relaoges Exterioies da Inglaterra. Esses docu- mentos permaneceram in6ditos st6 serem descobertos casual- mente nos arquivos do Publics Records Office, em Londres, por David Cleary, um brasilianst que pesquisa os garimpos de ouro da Amaz6nia. Embora os documents nadE tivessem a ver com seu tema de trabalho, Cleary percebeu a importancia daqueles pap6is para Sa hist6ria regional e os microfilmnqu, remetendo-os para o Arqui- vo Puiblico do Para. Desde o ano passado esta para sair uma ^*^6 iA33 edicao dupla dos Anais do Arquivo P6blico com esses docu- mentos, revelados em primeira mao pelo JornalPessoal (edi- cgo da 1 quinzena de marco de 1998). A correspondencia, travada entire 1835 e 1839 por membros da diplomacia (o Foreign Office) e da armada britanica, 6 o mai- or acontecimento da historiografia cabana desde 1890, data da publicaqAo do iltimo dos cinco volumes originals dos Motins Politicos, a principal obra de refernncia sobre a rebeliao que estourou em Belem em 7 de janeiro de 1835, hi 185 anos, por- tanto. E que teria provocado a morte de 20 a 30 mil pessoas nos seus cinco anos de duraiAo (1835/40), quando a populacqo amaz6nica nAo ia al6m de 150 mil. Hoje, seria como se dois milh6es de pessoas tivessem morrido. Por isso mesmo, surpreende o silencio dos intelectuais em geral e dos historiadores em particular sobre essa nova base docu- mental, que desfaz lendas e mitos sobre a Cabanagem, ao mesmo tempo que reforpa a exigencia de novos trabalhos de pesquisa, inclusive e principalmente fora da Amaz6nia e do Brasil. Uma verdadeira garimpagem, como a que Cleary fez no Foreign Office britAnico, precisa ser realizada nos Estados Unidos e na Franca para complementary a documentaao remetida de Londres. O fato mais bomb-stico que ela revelou foi a reuniao secret realizada no Rio de Janeiro, no dia 17 de dezembro de 1835, entire o regente Diogo Ant6nio Feij6 e os embaixadores da Inglaterra e da Franca. Feij6, que govemava o Brasil em nome do imperador Pedro II ( 6poca, ainda na menoridade), convocou Fox e Pontois para Ihes fazer uma proposta, "em carter confidential": cada um dos dois pauses deveria reunir, dentro de quatro meses, cerca de 300 a 400 homes (em um igualmente secret encontro anterior, contingent igual havia sido solicitado ao embaixador de Portugal, de cujo jugo colonial o Brasil se livrara apenas 13 anos antes) e envia-los ao Para. Essa forca de mil soldados regulars, embarcados em navios de guerra dos tres pauses, apareceria na barra de Belem "como que por acaso" e seria autorizada a permanecer em territ6rio brasileiro. Ela iria se juntar aos tries mil homes recrutados por Feij6. Seria forga suficiente para acabar corn a resistencia dos rebeldes e reto- mar o control da provincia, Qnde as autoridades legais haviam sido depostas ou mortas, estabelecendo-se um dos raros e o mais prolongado govemo popular foramm tres os presidents cabanos) em terras nacionais. Feij6 propunha que essa forga fosse "mantida de prontidao para cooperar com as tropas brasileras, a pedido e a criterio das autoridades civis e militares brasileiras em comando". Seu uso especifico deveria ser a ocupaq5o temporaria dos postos do Maraj6, CametA "e outtos locais pr6ximos A cidade do Para", como Bel6m era entAo conhecida. Esse pedido de "cooperaSo" se justificava "pelos interesses gerais da humanidade e da civili- zagAo, e tamb6m pelo objetivo especifico de proteger nossos respectivos conterrineos e restituir a eles a posse de suas resi- dencias ebens". Mas o politico paulista fazia uma ressalva: seria omitido do pfiblico "o fato de as medidas terem sido tomadas a pedido do govemo brasileiro". Os dois embaixadores se dispuseram a transmitir imediata- mente o pedido aos seus respectivos govemos, mas, na carta que enviou ao ministry das relac6es exteriores da Inglaterra, Lor- de Palmerston (que depois viria a ser primeiro-ministro), Henry Stephen Fox disse ter logo alertado o governante brasileiro que previa o insucesso da iniciativa, "a nAo ser que o comunicado nos fosse feito por escrito". S6 assim seria possivel avaliar o alcance da "coopera io" e tamb6m "justificar tal cooperaco no caso de ela ser concretizada, e posteriormente merecer objecoes por qualquer parte do Brasil". O regente responded ao embaixador ingles "que como a Constituigao do Imp6rio probe terminantemente a admissao de tropas estrangeiras no territ6rio do Brasil sem o consentimento da Assembl6ia Geral (que nAo podera mais ser obtida a tempo), Ihe 6 impossivel formular sua proposta por escrito, e que, ade- mais, seria motivo de descrddito para o govemo se fosse divul- gado oficialmente o fato de que, sem ajuda externa, ele nao 6 capaz de derrotar um punhado de insurgentes miserAveis". As- sim, Feij6 nao podia ir al6m de uma solicitacao verbal em carter secret, "deixando a cargo de nossos governor basear nisso as instruc6es que Ihes parecam convenientes aos comandantes de suas respectivas forgas navais". Ao transmitir o conteido da conversa reservada, o embaixa- dor ingles, mesmo nao podendo "deixar de transmitir o comunica- do" ao ministry das relapges exteriores do seu pais, nao previa "a menor probabilidade de o govemo de Sua Majestade ou o gover- no frances anuirem cor os desejos do regente, ou consentirem em ordenar uma operamo military, cor base em um pedido formu- lado de maneira tdo imprecisa e informal". Como o pr6prio Feij6 admitira, sua proposta "viola direta- mente as leis e a Constituig~o do pais; e, 6 claro, seria desmen- tida de imediato, e a culpa pela intervencAo nao autorizada seria atribuida as potencias estrangeiras, se isso fosse visto como conveniente. Fox observava ainda: "nao penso que exist a menor proba- bilidade de que o govemo brasileiro consiga, nem agora nem em qualquer moment, reunir uma forca regular tio grande quanto aquela com que o regente afirmou contar". E finaliza a correspondencia ao seu superior com uma lti- ma advertancia: "O emprego, no Par!, de uma forca inglesa e francesa, em conjunto com uma portuguesa, tomaria o procedi- mento ainda mais questionivel, levando em conta o cidme forte que ainda existe neste pais cor relag o a influencia e aos desig- nios de Portugal". .. R espondendo A consult, em oficio de 9 de maio de 1836, dirigi- ,l do ao encarregado dos neg6cios da embaixada no Rio deJaneiro, W. G. Ouseley, Palmerston diz que o Sgovemo ingles deu "a mais atencio- S,, saconsidera& o sugestiofeita"pelo / .- regente, mas nio se sentia "A vonta- de" para cumprir esses desejos. Em primeiro lugar, porque seria "uma divergencia dos princi- pios gerais que regem a conduta do govemo britAnico, em relago aos pauses estrangeiros, interferir tdo diretamente nos assuntos in- temos do Brasil". Palmerston corisiderava "inadequado para a dig- nidade deste pais fazer uma demonstraqAo, sem estar preparado, se fracassada fosse, para acompanh--la pela forca: e o Govemo de Sua Majestade rno acreditava justificivel se envolver em opera- C5es em terra pelo interior da Provincia do Para, cor o objetivo de apoiar a autoridade do Governo do Rio de Janeiro contra a populagao do distrito". Mas ainda que nro houvesse "objeg6es insuperiveis a esse tipo de procedimento", o chanceler ingles lembrava que a cons- tituig o brasileira "expressamente probe a penetradio de tro- pas estrangeiras em territ6rio brasileiro sem consentimento do Poder Legislativo". Mesmo descartando o pedido do regente brasileiro, o gover- no ingles se sentia "altamente gratificado pela confianga por part do Regente, da qual a sugestao dele produz uma prova tio inequi- voca, e que o Govemo de Sua Majestade sinceramente espera que 2 JANEIO/2000 AGENDA AMAZONICA as medidas inteligentes e energicas adotadas pelo Regente, para a pacificaao do Pard, cheguem a um bom 8xito para restaurar a paz e a boa ordem naquela important Provincia" (grifei). Em abril de 1836 a tropa imperial brasileira e uma esquadra britAnica realmente se encontraram no Pari, mas nao da maneira pretendida pelo regente Feij6. Tres navios de guerra da Inglaterra, integrantes da forga estacionada em Barbados (o Comando Supre- mo das indias Ocidentais, entio chefiado pelo vice-almirante sir George Cockbum), foram enviados a Bel6m para exigir a prisao dos assassinos da tripulaoo de um navio mercante daquele pais, que fora pilhado cinco meses antes em Salinas. A escuna Clio era um brigue de 126 toneladas. Saiu de Liver- pool em 7 de agosto, consignado a dois comerciantes dessa cida- de inglesa. Chegou a Salinas em 30 de setembro. A tripulagio des- conhecia, quando aportou, o que acontecera no Par5 a partir de janeiro daquele ano. O Clio tinha carga geral (louca, manteiga, sabdo, cerveja, tecidos e um engenho para moer cana de acucar de uma tonelada e meia). Mas tamb6m levava 3.360 conjuntos completes de mosquetes embalados em 140 caixas (40 delas fo- ram mandadas para Bel6m e Cintra), encomendados pelo presi- dente da provincia, Bemardo Lobo de Souza (ji entao morto pelos cabanos). Mas nao p6lvora, ao contrario da expectativa que havia no Pari (e que talvez tenha sido a causa do saque). O carregamen- to foi avaliado em 1.500 libras esterlinas (valor da 6poca). O navio parou em Salinas para pegar um prAtico que iria orientar a navegaoo pela dificil entrada do estuArio do rio Para. O americano John Priest, 49 anos, marceneiro, morador do lugar havia 17 anos, ofereceu-se como intdrprete. Alertou alguns mora- dores para a carga e participou da pilhagem. Tres tripulantes fo- ram assassinados dentro da embarca&o. Um quarto morreu afo- gado quando tentava fugir a nado. Outro morreu durante a fuga, tamb6m afogado. O ~nico sobrevivente do massacre, Alexandre Patton, um escoces de 17 anos, descreveu depois a invasAo do navio por tres indios que tinham subido com o imediato para verificar a carga: "Um dos marinheiros estava sentado num lado da escoti- lha e o outro no outro lado; o comandante [dogrupo de indios] pegou um home pelo c6s da sua calla, e outro indio pegou o outro; eles cortaram cada um dos homes tres vezes na nuca, suas cabegas cairam no peito; eles entao apunhalaram-nos no corpo e jogaram-nos ao mar.. O cozinheiro, quando viu isso, desceu pelo cabo e se afogou". Lorde Palmerston mandou, em fevereiro de 1836, uma orien- tacAo de Londres para o embaixador no Rio de Janeiro: "se for comprovado que o govemo teve meios para impedir ou reprimir a insurreigAo no Part e nao tomou medidas adequadas para tal, o Govemo de Sua Majestade consider que estari justificado ao exi- gir do govemo brasileiro uma compensacgo aos siditos do Gover- no de Sua Majestade por perdas sofridas por eles em conseqiun- cia daquela insurreigWo". Ja Palmerston observou ao seu colega GalvAo, chanceler brasi- leiro, que "se um Governo 6 to fraco que sua autoridade nao 6 respeitada pelo seu pr6prio povo e no seu pr6prio territ6rio, nao deve se surpreender se as forgas estrangeiras assumirem a responsabilidade de retificar erros que venham a ser cometidos contra seus s6ditos". A orientagao do almirante Cockbum para o capitio Strong, que comandaria o principal navio da esquadra enviada ao Pard, tamb6m era dura: "Na eventualidade de descobrir que os brasilei- ros nao tiveram 8xito em restabelecer sua autoridade no Par-, en- tao a melhor informa&co que as circunstAncias possam admitir 6 que se procure saber se Eduardo [Angelim] ou qualquer outro chefe tenha estabelecido suficientemente sua autoridade no Pard para que se possa admitir fazer-lhe semelhante requerimento para a punigAo de todos os transgressores". Mas a esquadra britanica deveria servir apenas para conven- cer o interlocutor quanto a essas exigencias. Conforme registra outra correspondencia, "se houver uma autoridade adequadamen- te responsAvel e estabelecida no pais, seus primeiros esforgos para reparagao devem ser corn aquela autoridade". Havia tamb6m a recomendacao de que fossem adotadas "todas as precaug6es pos- siveis pam assegurar o devido respeito demonstrado pelos direitos da Coroa do Brasil". A tropa inglesa deveria desembarcar "hostilmente em Salinas e tomando e prendendo tantos habitantes quanto ele [o oficialsuperi- orda armada] possa capturar, destruindo as casas e as proprieda- des que ele por ventura encontrar nesse lugar ou nas vizinhangas, ou por qualquer outro meio que ele encontrar a seu alcance, para provar nossa determinaiAo de nao permitir, sob hip6tese alguma, por nenhum pais, que um ato de natureza igualmente monstruosa como aquele cometida no Clio permanega impune". Era considerado necessario "obter a reparago por quais- quer meios que a forCa sob o seu comando o permitisse empre- gar". Mas nada al6m disso. O tenente Wood, em quatro botes tri- pulados e armados, com 50 homes, desceu em Salinas atris dos participants da pilhagem com "rigorosas instruc6es para nao ati- rar sem ordens, a nao ser em defesa pr6pria". O capitao Charles Strong, primeiro official ingles em Bar- bados, estava disposto a exigir reparag6es pelo ataque ao Clio. Mandou logo uma carta a Angelim, levada pelo tenente Wood e "lida atrav6s de int6rprete, na presenga de grande nimero de pessoas que, quando chegaram a parte onde era exigida uma satisfacao, vociferaram: ele quer satisfa co, de-lha a ele cor p6lvora e bala". Mas Eduardo Angelim, segundo o relate do tenente ingles, reprovou-os [os outros cabanos] e chamou aten- Ao a justica da nossa causa". Strong entio decidiu descer em Bel6m, sendo recebido "de forma muito melhor do que esperava". Angelim lhe disse que teria torado a iniciativa de ir cumprimenti-lo no navio, "apenas que o povo nio permitiria que ele o fizesse". O president Manuel Jorge Rodrigues havia alertado Strong que "se eu atracasse, seria assassi- nado". No entanto, foi recebido "cor o maior respeito". Ap6s esse contato, em comunicaoo para o almirantado, Strong disse ter ficado muito admirado "que os brasileiros nao viessem tomar a cidade, o que certamente os botes da minha esquadra teri- am feito, se necessirio, em meia hora, mas o nome de Eduardo (um mero rapaz) parecia fazer um terrivel efeito, e nao vimos al6m de cento e cinquenta homes armados e estes em estado deplorAvel". O estado de Animo entire os cabanos era belicoso, a descon- fianga generalizada e uma irrupAo desenfreada de conspiracies interas. Relata Strong que tres semanas antes de chegar ao Pari JANEIRO/2000 AGENDA AMAZ6NICA 3 um home (nao identificado) "se declarou president. Eduardo, entretanto, marchou imediatamente contra ele, com um canhAo explodiu a porteira do forte e, ap6s matar quatro ou cinco ho- mens, restaurou uma esp6cie de ordem". O chefe desse grupo teria chegado a colocar uma pistola na cabeca de Angelim, mas ele preferiu nao puni-lo. Durante sua convivencia corn os cabanos, Strong informou Jorge Rodrigues que "o secretArio particular de Eduardo desejava fazer a sua fuga no Belvidera, vendo que, se fosse feito apenas um esforgo comum, o lugar cairia. Eduardo tinha liberado sua fuga se ele achasse apropriada; isso naturalmente eu nao permiti- ria ap6s tantos atos de barbaridade e pilhagens como as que ocor- reram no Parl". Strong ficou igualmente surpreso quando o president legal negou permissao para "subir o rio corn a esquadra at6 o Pard, pois se eu nro o tivesse feito, nenhuma daquelas duas pessoas [envolvi- das napilhagem do navio ingls seria ou poderia ter sido presa, al6m do que todos devem ter visto que nossa passage servia para mos- trar a Eduardo que ele teria outro inimigo para combater se nossas demands nao fossem atendidas" (grifo meu). Jorge Rodrigues encaminhou um protest contra a desobedi- 8ncia de sua ordem para a esquadra inglesa nlo seguir viagem. Disse esperar que Strong nro fosse "violar os direitos que o govemo brasileiro tem sobre o seu pr6prio territ6rio". Mas o official ingles encarou esse protest como um ato meramente protocolar, "pois certamente ele [o marechalRodrigues] nao poderia supor que qual- quer comandante ingles de esquadra aceitaria ser expulso como se fosse um navio mercante, mais particularmente um comandante in- cumbido cor tal responsabilidade como eu e, por outro lado, seus navios nao estavam fundeados de maneira a se opor As forgas que subissem o rio ou a evitar que suprimentos fossem descarregados 'na cidade; eles nio estavam de maneira alguma interligados. Se eles estivessem em alinhamento cor o Forte da Barra, pr6ximo ao Rege- nerago, teriam sido formidcveis, mas na posigo em que os encon- trei, nao tinham o poder de insistir que eu me desviasse do que eu considerava apropriado; mas, onde quer que estivessem posiciona- dos, tal era a atrocidade do crime pelo qual eu havia sido enviado para exigir satisfacges, de todas as parties que eu julgasse possivel tomA-las, eu teria passado por eles, quaisquer que fossem as conse- qioncias". Strong garante que "podiamos facilmente ter desembar- cado 220 homes, incluindo os fuzileiros com pequenas armas". Jorge Rodrigues prometeu a Strong todo o empenho para prender os assassinos da tripula&o do Clio (John Priest morreu no confinamento do porAo da corveta Defensora. Manoel Maria Monteiro, que era juiz de paz em Salinas, pode ter tido destino semelhante). Mas o capitAo ingles, de forma crua, comunicou-lhe ser de seu dever "apelar para o home no comando da cidade do Pard [Angelim], considerado o chefe pelas pessoas em Salinas e que, nas atuais circunstincias, seria mais provavelmente obedeci- -do do que V. Excelencia, o mesmo sendo considerado por elas ainda como seu president e comandante". Numa das cartas a Angelim, Strong fez questao de esclare- cer que "a forca que esti sob minhas ordens nao tern nada a ver, de ambos os lados, com a infeliz dispute presentemente existente nesta provincia". 4 JANEIRO/2000 AGENDAAMASZNICA Respondendo ao questionamento de Strong sobre a indeni- zago dos proprietarios do Clio, Angelim diz que a responsabilida- de 6 do govemo central, "pois o Para nalo existed desmem- brado do Impfrio" (grifei). No entanto, se "circunstincias impe- riosas surgirem", exigindo o ressarcimento dos prejuizos, "posso sinceramente assegurar-lhe que esta provincia se responsabilizari pela referida indehizaio". A abordagem de Angelim 6 ostensivamente amistosa: "A ami- zade que a nago inglesa consagra ao Parn nao passa desaperce- bida, uma amizade aumentada ainda pela suavidade dos modos corn que V. Senhoria tem defendido uma causa tao just neste porto, acrescentando prova adicional quanto ao carter da nobre naio que V. Senhoria representa. Circulando entire os dois lados do confront, os oficiais in- gleses enviaram para Londres vividas describes do que viam. Ano- taram que aproximadamente 5.400 pessoas fugiram de Bel6m: qua- tro mil foram para CametA e 1.400 para a ilha de Tatuoca, dos quais 660 (quase metade) morreramm at6 dezembro de 1835. A tropa mandada pela Regen- cia desembarcou pela primeira vez na ilha de Tatuoca em principios de setembro de 1835. Eram 1.400 homes ao todo. Tres meses de- pois, 450 haviam morrido de vari- ola e disenteria. Mais 660 morado- res que fugiram de Bel6m morre- ram na ilha ou a bordo do Cam- pista. Dos 280 rebeldes levados press para a corveta Defensora, 196 ji haviam morrido. Francisco Vinagre (e tamb6m um dos irmnos Aranha) conti- nuava "acorrentado no porao [da Campistal, seu inico alimento sendo arroz", segundo o capitAo Everard Home. O military ingles esperava coisa pior em dezembro: "agora que as chuvas iniciaram, os ndmeros aumentarlo rapidamente". Home visitou o hospital improvisado na ilha, "que 6 uma choupana de folhas de palmeira, a fachada aberta, uma das quais se abre para o rio, a outra para a ilha, onde os acometidos de variola estlo na extremidade que 6 aberta para a terra. Havia tres mortos em suas redes e, no cemiterio que fica pr6ximo, havia mais dois no chAo, e os negros estavam cavando suas covas". Segundo informar6es prestadas aos ingleses pelo comodo- ro John Taylor, contratado pelo governor imperial para comamn- dar a esquadra brasileira, aos ingleses, em agosto de 36 as forcas navais brasileiras no Pari compreendiam uma grande fragata, a Imperatriz, cor 54 canh6es (ji entAo praticamente inutilizada de- vido aos danos sofridos nos primeiros combates, estando fora de uso quando Andr6a chegou ao Par~), uma grande corveta, a Rege- neraCAo, cor 26 canh6es, dois brigues de 14 canh6es e 12 escu- nas de tres a oito canh6es. Havia a bordo aproximadamente mil homes. JA as forgas terrestres somavam 1.300 homes, 500 deles oriundos de Pernambuco. Seu relato: "Quando a Revolu&co irrompeu e as noticias chegaram ao Rio em fevereiro de 1835, o Govemo foi extremamente culpado de apatia e indiferenga e, se tivesse me mandado as tropas que pedi e que me prometeu, isto 6, entire 600 e 800 homes em vez de um sargento e 6 artilheiros com quatro peas de campanha!!l Os rebeldes nao teriam se aventurado a atacar a cidade depois que a tomamos e, assim, as atrocidades e os saques cometidos nao teriam ocorrido. i precise acrescentar que quando os tres mil homes de cor [erro ou exagero, que depois corrigiu: eram 300 homess de cor' atacaram a cidade de Bel6m, nossas forsas reunidas somavam 220 oficiais, marinheiros e fuzileiros navais, com 150 soldados, esses iltimos ou a Forqa Naval eram compos- tos principalmente por marinheiros britAnicos, 180 dos quais fo- ram ou mortos ou feridos durante os nove dias em que defende- mos a cidade. Os cidadcos que se ofereceram somaram 480, entire os quais todos desertaram cor suas armas para as embar- cac6es no porto no final do primeiro dia, com excegio de cerca de 60 que se comportaram extremamente bem. Do navio de Sua Majestade Racehorse, muita ajuda foi obtida para evitar que o inimigo capturasse o arsenal military. A corveta Portuguesa se conduziu muito bem no primeiro dia, enviando cerca de 80 ma- rinheiros, entire os quais 18 foram ou mortos ou feridos, depois nao participaram mais no conflito, mas o navio de Sua Majestade nos prestou assistencia at6 o iltimo momento. Bel6m foi abandonada pelos cabanos a 12 de maio. No dia seguinte, Andrea entrou na cidade. Relata o capitio Richard Warren, comandante do navio Snake, que "as autoridades legi- timas tomaram posse sem disparar uma arma sequer. Os indios destruiram tudo antes de deixar a cidade e, depois, tentaram queimA-la, mas, felizmente, devido A natureza dos pr6dios, fa- lharam na tentative". No final do primeiro ano de revolta, a grande necessidade dos cabanos era p6lvora. Home tinha pouca d6vida "de que duas escunas americanas estejam empenhadas em supri-los". Strong notou que Angelim "havia remontado todas as armas [canhbes] que haviam sido atiradas sobre as muralhas, totalizando dezessete nos diferentes fortes, mas tinha pouca ou quase nenhuma p6lvo- ra, nem chumbo". A 19 de maio de 36, Ouseley diz ao primeiro-ministro nao Ihe parecer provdvel "que o governor imperial possa restaurar tAo cedo a tranqiiilidade" no Para, acrescentando: "Existem motives para acreditar que o perturbado estado do Imperio esti sendo deliberadamente colocado em evidencia de forma a pres- tar ajuda As perspectives do Regente para obter uma extensio do poder". Ainda assim, dispunha de informac6es de "boas fontes" (o comodoro John Taylor, tamb6m ingles), segundo as quais "o lamentavelmente desorganizado estado de um a gran- de parte do Brasil dificilmente pode ser exagerado". Para o encarregado, "as medidas do governor foram dilat6ri- as, iteficientes e marcadas pela falta de firmeza e previsAo". Diz ser possivel argumentar "que o governor ter se mostrado extraor- dinariamente lento e ineficiente, ou mais deficiente no empenho e na capacidade, para prevenir ou remediar o infortinio ocorrido no Para, do que ter feito em muitas outras ocasioes de emergen- cia e, qualquer que seja a importAncia imputada, corn certeza exis- te um fundamento para tal argumento. Palmerston confirm em oficio de 31 de maio de 37 para o seu embaixador: "quando as noticias da insurreigio chegaram pela primeira vez ao Rio deJaneiro, o governor brasileiro tratou o even- to com apatia e indiferenca". Em outubro de 37 o novo embaixador Hamilton observa: "A rebeliko, 6 verdade, foi debelada, mas toda a populagao estd em extreme estado de pendria e desgraca e o president Andrea, por mais que esteja qualificado para comandar como military, parece pouco preparado para ocupar o cargo de magistrado civil e menos capaz ainda de curar as feridas inflingidas pela guerra civil". Nao era para menos. Ja em julho de 1836, sirEverard Home, comandante do Racehorse, dizia que os soldados brasileiros e mercenirios belgas espalhados pelo interior na caga aos caba- nos fugitives "trazem poucos press, atirando para matar na maioria dos que sAo capturado". O embaixador Hamilton calcu- laria, um pouco depois, que a tropa legal somava tres mil ho- mens. Por essa 6poca, Angelim contava cor 140 homes que com ele fugiram para o Acari. Sufocada a revolta e "pacificada" a provfncia, os ingleses demonstraram um "fair-play" invejAvel, sobretudo para aquele tempo, no qual os sete mares eram dominadas pela indestrutivel armada de sua majestade, diante do problema que provocara o deslocamento de parte da esquadra de Barbados. Ao mesmo tem- po em que endossaram a posigo do governor brasileiro no con- tencioso em toro do saque do Clio, alargaram as perspectives de andlise e entendimento da situaco, atraves de um novo enfo- que geopolitico sugerido pelo pr6prio Brasil, numa direg~o cla- ramente conservadora. No encerramento da questio, jd em 1839, o ministry das relag6es exteriores, Lopes Gama, em seu parecer (endossado pelo encarregado de neg6cios da embaixada inglesa, Ouseley, que o comentou longamente numa correspondencia de dezem- bro desse ano para Londres e aceito pelo chanceler Palmers- ton), observou que "foi precisamente naquele period de 1835 a 1836 que os franceses, embora sem qualquer admissAo das pretens6es que eles desde entAo expuseram, haviam iniciado sua invasao ao territ6rio brasileiro e que, de fato, a provincia do Para poderia ser considerada parcialmente ocupada por um poderoso inimigo estrangeiro. Naquele moment suiditos brasi- leiros foram, sem duivida nenhuma, instigados exatamente por esse inimigo para levantar o estandarte da revolta contra seu legitimo soberano, assim oferecendo um pretexto para a ocu- pacio military ou a invasao de uma parte do territ6rio cobigado pela Franga, enquanto tribes nativas das fronteiras e a popula- co mestica marchavam para abrir hostilidades contra a capital da provincia, incitados, ajudados e supridos, sem divida, cor armas pelos emissirios franceses". O embaixador Hamilton diz ter "tudo para acreditar que hi fundamentos fortes para Ihes [as confiddncias do chanceler brasileiro] dar fe", acrescenta que o marechal Andr6a havia at6 detectado "o relacionamento e a correspondencia entire um c6nsul ou vice-c6nsul frances no Pard corn os rebeldes e a populag~o indigena, e retirou o exequaturdaquele agent e, eu soube atrav6s de mais de um setor, que a influencia francesa foi exercida para aumentar as dificuldades do govemo brasilei- ro na fronteira ao norte e que muitos dos rebeldes e dos indios JANEIRO/2000- AGENDA AMAZONICA 5 hostis se refugiaram cor as forgas francesas e eram, e continu- am sendo, protegidos e assistidos por eles, queira Deus sem a sancgo direta do Governo de Cayenne". O useley consider correta a posigAo do govemo brasileiro se no indenizar os sdditos ingleses J/ prejudicados no epis6dio do Clio, mesmo porque nao cedera a pedi- Sdo semelhante de cidadAos brasi- leiros afetados em outras situagoes. .,.E tamb6m adota uma posiao mais i '-/ compreensiva em relagio a inicia- tiva de Feij6. Lembra, em primeiro lugar, "que a oposiAio ao Governo do Regente Feij6 (que logo depois conseguiu causar sua renincia) era bastante ativa e que a imprensa estava calorosamente engajada em seu servico". Em segundo lugar, "provou-se subsequentemente que a apa- rente falta de decision e a demora em enviar reforgos foram cau- sadas principalmente pelo espirito de descontentamento mani- festo por muitos da tropa e, at6 mesmo, por seus comandantes". Por fim, destacava a "aderancia duvidosa de algumas pro- vincias ao govemo central imperial". Esses fatores explicariam a insusual morosidade e ineficiencia do govemo diante da revolta no Para; mas sem sugerir "que fosse por causa de apatia inco- mum e neglig&ncia culposa ou voluntiria em empregar os meios a disposigAo do Governo para debelar os distdrbios que deram origem a tais reclamagOes". Mas por tris de tais preocupagces havia a preocupago do govemo brasileiro de nio provocar "pre- maturamente" o assunto para nao irritar o govemo frances. Em dezembro de 1836, o consul John Hesketh ji havia re- passado ao primeiro-ministro ingles informaq6es obtidas junto a fontes oficiais sobre a ocupacgo de parte do territ6rio brasileiro na Guiana pela Franga, que ali construira um forte. Nessa posi- cgo fortificada, os franceses estariam aceitando rebeldes e escra- vos foragidos, "e lhes dao terras para trabalharem". Na avaliaAgo de Hesketh, essa area (o hoje Estado do Amapi) "ter pouca importAncia do ponto de vista commercial, a nao ser como caminho ficil para o trifico clandestine de gado da ilha do Maraj6 em prejuizo dos interesses dessa Pro- vincia [o Paral, mas, considerado a luz de uma invasAo, 6 um precedent dos mais perigosos, pois os franceses poderio corn igual justiqa reclamar outros territ6rios na Guiana at6 eventu- almente se terem tornado donos de toda a margem norte do Amazonas, em prejuizo da navegacgo daquele rio e, por con- seqUtncia, dos interesses comerciais britAnicos nesta area". A freqiente interrupt o dessa navegacgo pelos rebeldes, cujas operac6es "estAo se sucedendo com vArias vit6rias", era a grande preocupacao de Londres. Por isso a Cabanagem interessou tanto aos goveros es- trangeiros corn neg6cios estabelecidos no Brasil e na Amaz6- nia. Mas nao a ponto de estimular-lhes apetites territorials im- perialistas. Que, Aquela altura, pouca serventia teriam, como se tentarl mostrar na continuacgo desta materia, na pr6xima Agei-da Afiii6T- nica. 6 JANEIRO2000 -AGENDA AMAZ6NICA A BIBLIOGRAFIA AMAZONICA Um garimpo da historic santarena 0 Institute Cultural Boanerges Sena langara neste mes, em Santarem, a terceira edigio de Tupailandia, de Paulo Rodrigues dos Santos, comemorativa aos 500 anos do descobrimento do Brasil (544 paginas, R$ 48,00), em papel couches e capa dura. Para assinalar o fato, transcrevo aqui o preficio que escrevi para a obra, esperando atrair o merecido interesse dos leitores para ela. tar6m, fui conversar com Paulo Rodrigues dos San- tos. Grande contador de hist6rias, ele era sempre uma fonte de prazer para os seus privilegiados interlocutors. Daquela vez ele nao apenas falou: me deu para ler as 500 piginas datilografadas dos originals de Tupailandia. Enfrentei aquele calhamaco com o mesmo entusiasmo das visits ao mestre Paulo, na confluencia da "cidade" cor a "aldeia", naquele dualismo de bairros [os inni- cos entdo existentes em Santardm] que deixava as coisas mais claras para quem fosse capaz de ver. No final, achei injusto que o livro, ja aprovado pelo Conselho Estadual de Cultura, ainda estivesse na fila, a espera de uma publicaAo incerta e nao sabida. Era tempo demais para um autor ji entdo corn 71 anos, prolifico nas cr6nicas de journal, mas ainda inedito no format mais perene do livro. De volta a Bel6m, escrevi mat&ria de pdgina inteira (e vd- rias fotos) em A Provncia do Pard, a 6poca bem mais influence do que hoje. Acho que foi a primeira reportagem sobre o autor publicada at6 entio na capital do Estado. Um pouco depois, Tupaiulandia finalmente saiu. Em dois volumes muito mal edi- tados, posteriormente reduzidos para um (inico volume, corn capa melhor, mas sem uma edigo condizente com a importAn- cia do seu conteddo. Corn suas deficiencias e limitac6es, Tu- paiulandia 6 a mais bem organizada de Santar6m atW hoje es- crita, inclusive quando comparada A de Arthur Cezar Ferreira Reis. Por isso, merece uma nova reedigSo, como esta, que Cris- tovam Sena providenciou, atrav6s do seu Instituto Cultural Bo-,. anerges Sena, mais de acordo corn os meritos e pioneirismo de Paulo Rodrigues dos Santos. Nao s6 para louvar seu trabalho e homenagear sua mem6- ria, porem. Sobretudo, para servir a conscidncia dos santarenos, mostrando-lhes a importancia da sua hist6ria, tao maltratada, tao ignorada. Quando esteve na regiao, na metade do s6culo passa- do, o naturalist ingles Henry Walter Bates (autor do delicioso e indispensivel O Naturalista no Rio Amazonas) ficou surpreendi- do corn as pretensoes dos santarenos a uma civilizagao pr6pria, aut6ctone. A mesma surpresa foi partilhada por outros notaveis viajantes estrangeiros do period: Spix, Martius, Wallace, Spruce. Documentary os elements de uma cultural bem ampla, desde a cerAmica dos indios Tapaj6 (o Cinico traco material deixado por essa lendaria e mitica nacio) at6 a musica, o artesanato e a literature, produzidos jA sob miscigenagAo f6r- til, embora cada vez mais hegemo- nicamente europ6ia (poderia ter sido de outra forma, de fato?). Constitui uma trag6dia a falta de documentago sobre tao diversi- ficados elements da manifestaSgo de um povo. O livro de Paulo Ro- -drigues junta-se a nAo mais do que meia d6zia de obras de referencia sobre um universe que vai sendo ra- pidamente erodido por um compul- s6rio process de "integracqo", no qual o component native 6 esma- gado pela "aculturaoo" ex6gena, tra- zida pelo imigrante. Um povo sem refernncias consistentes (ou de qual- quer qualidade mesmo) sobre seu passado esta condenado a nao ter future. Porque esta condenado a nao manejar os cor- does que acionam as grandes decisoes, as que fazem a hist6ria para valer. Tupaiuldndia nao chega a ser, rigorosamente, uma hist6ria complete de Santar6m, das origens at6 a segunda metade do s6- culo XX. O pr6prio autor ressalta nem ter tido essa pretensAo. O que ele fez foi juntar as mais substanciosas anotac6es que fez ao long de 40 anos, desde que, corn 30 anos de idade, come- cou a sistematizar as anotacOes feitas em cima de "pap6is ve- lhos" guardados desde a juventude. Grande parte dessa produ- Ao saiu em coluna semanal de journal que escreveu, sob o pseu- d6nimo de JoAo do Garimpo. Muita coisa deixou de usar ou perdeu, mas o que conservou e reuniu no livro 6 suficiente para seu leitor montar um roteiro estimulante sobre essa important regiao amaz6nica, quem sabe continuando o trabalho de Paulo. Parte das informaoges, ele foi buscar em numerosos li- vros. Ele pr6prio tinha uma biblioteca pequena, que conheci, aquela que seu sempre modesto poder aquisitivo tomou possi- vel. Mas, curioso e aplicado, recorreu a numerosos empr6sti- mos de amigos. Tendo poucos livros realmente seus, leu, no entanto, muito, um contrast corn gente posuda que estoca muitos livros, sem, contudo, l1-los. Mas recorreu tamb6m a tra- diCgo oral e, sobre os fatos mais pr6ximos, prestou o testemu- nho que sua longevidade possibilitou. Foi tamb6m testemunha privilegiada de fatos que relatou. Em 1920, o jovem recenseador Paulo Rodrigues dos Santos foi contar gente num lugar remote do municipio. Depois do jan- tar, sua curiosidade foi atraida para uma velha que se embalava na rede. Tinha mais de 100 anos de idade e fora amante de diversos cabanos. De uma rede amorosa para outra, Florida ou- vira muitas hist6rias sobre a sangrenta revolta popular que estou- rou em Bel6m em 1835, "ao vivo", como hoje mimeticamente se diria. Repassadas pelo ouvinte atento, as hist6rias preencheram todo um capitulo do livro, o da "V6 Foluca". A sensibilidade, a seriedade e o rigor cultivados pelo his- toriador "amador" levaram Paulo Rodrigues a avaliar adequadamen- te um acontecimento ate entao ig- norado pela historiografia, o motim dos pescadores de Santarem, de 1913, reaqo A entronizaSgo de pes- cadores portugueses, epis6dio com tracos de epop6ia que forqa o re- gistro da presence popular na cr6- nica, ou revelar a outra face da pas- sagem nada her6ica, muitissimo pelo contririo do tenente Barata por Santar6m, em 1924, ou esclare- cer detalhes controversos da revolta de Jacareacanga, comandada pelo entao major Haroldo Veloso (na d6- cada seguinte ele se elegeria depu- tado federal por Santar6m). Tupaiuldndia trouxe ainda um tema que permanecia restrito ao subsolo historiogrifico de en- tao: os mocambos do Baixo-Amazonas. Localizados abaixo de Parintins, perto de Obidos, em Alenquer, Monte Alegre e Santa- r6m, esses mocambos deviam ter abrigado, segundo Paulo Ro- drigues, mais de tres mil negros escravos, progressivamente dizi- mados pelas expedig6es punitivas. Como nao poderia faltar em uma hist6ria de um dos povos brasileiros, ha a encantadora narrative do primeiro romance de amor na "perola do Tapaj6s", entire a india Potira e o padre Se- bastiAo Teixeira, tema para deixar euf6rico qualquer roteirista de novelas da TV Globo, sem que ele precisasse forgar nos "efes" e "erres" de carcamanos imaginArios. Quem ler todo este livro (e para isso basta comeqar a ler para ser lacado pela seducAo cabocla do "causeur") verifica- ri que a hist6ria de Santar6m 6 mais rica do que permitem desconfiar os cronistas oficiais. E que Paulo Rodrigues dos Santos conseguiu manter-se vivo para sempre nestas linhas que tracou. Nisto consiste a verdadeira imortalidade humana neste vale de ligrimas. JANEIRO/2000 AGENDA AMAZ6NICA 7 PERGUNTA/RESPOSTA Nesta seqgo, respond a perguntas feitas e palestra S que ndo pude tender por falta de tempo. mbora o pa Debate costume ser o melhor moment de se tipo - &7 acontecimento, deixado para o final, fica '. nconcluso e insatisfat6rio. op teira e so rania sa.-i A Voce afirma que nao e interesse de outros paises invadir a Amaz6nia. Entao por que o exercito brasileiro esti sempre em alerta com soldados a postos nas fronteiras, prin cipalmente na fronteira da Col6mbia? (No dia 26/10/99, foram 4.000 soldados em missao, sem data de retorno. Fale mais sobre as fronteiras). A Amaz6nia brasileira possui 11 mil quil6metros lineares de fronteiras intemacionais, tendo do outro lado de suas divi- sas sete pauses vizinhos (um dos quais ainda cor o status de col6nia, a Guiana francesa). Qualquer pais, cor tal fronteira, precisa de uma political bem definida para administri-la. Nao pode deixar-se levar pela imprevidencia, nem raciocinar por impulses conjunturais. Tern que agir segundo estrat6gias de long prazo. Mas precisa entender a paisagem fisica e o contetdo hist6rico desse espaco peculiar. A essancia da definicgo das fronteiras amaz6nicas resul- ta de uma combinaqao de floresta e indios. A presenCa euro- p6ia 6 o element mais recent e ainda o menos marcante. 8 JANEIRO/2000 AGENDA AMAZ6NICA Mas foi ele que deu causa a tenses e conflitos em alguns pontos especificos no tempo e no espaco da regiAo. O mais grave de todos eles, o litigio cor a Bolivia, foi resolvido atra- v6s de um tratado e uma prosaica operagAo de compra e ven- da, depois de escaramucas que poderiam ter degenerado. Fi- camos com o Acre (garantindo a future nacionalidade brasi- leira de gente important, como Jarbas Passarinho, Armando Nogueira, Jos6 Vasconcelos, Adib Jatene e outras personali- dades tAo bem votadas) e prometemos aos bolivianos uma said para o mar o que nao cumprimos. De li para cl, outros temas surgiram no contencioso dessa fronteira, nem todos como pura novidade: o contrabando, a cri- minalidade comum, a guerrilha, o narcotrAfico, a biopirataria e alegadas ameacas estrangeiras. Nada que invalidasse a caracte- ristica bisica no curso de vdrios s6culos: povos nativos como a marca de brasilidade nesses confins e o reino natural como o element predominante, centrado na floresta. A political brasilei- ra para as fronteiras amaz6nicas pode ser mantida em suas li- nhas fundamentals, apenas cor ajustes. Nada capaz de sugerir ou exigir uma political de ocupac~o, civil ou military (ou ambas). As fronteiras amaz6nicas nao estiveram e nem se encon- tram ameagadas. Apresentam problems, alguns at6 graves. Mas persisted pacificas e com um grau muito baixo de variago. Apesar das preocupac6es em contrArio. Primeiro cor a acqo dos missi-" onirios estrangeiros, desde franciscanos e salesianos at6 os pro- testantes, mutAveis em pesquisadores de min6rios ao trocar a cruz pelo contador geiger (hoje, GPS, aparelho sofisticado que possibility a localizaio geografica atrav6s de sinais de sat6lite). Depois, corn os viajantes estrangeiros, em livre transito at6 pou- co tempo atrAs (e, em vArios bols6es, ainda mais livres do que seria recomendavel que estivessem). Foi detectada tamb6m, durante o regime military (1964- 85), a ameaqa de cubanos invadirem Roraima a partir da Gui- ana, ex-inglesa, que, ao se tornar independent, proclamou- se uma Repiblica Cooperativista (entendida automaticamente como comunista por nossos estrategistas). Tamb6m vai e vol- ta a syndrome das invasoes por guerrilheiros da Col6mbia (M- 19 ou Farc) e Peru (Sendero Luminoso), sem falar na preocu- paqco cor o Suriname (ainda mais agora que o ex-presiden- te, Desi Bouterse, virou narcotraficante). Finalmente, os bio- piratas, que saqueiam nosso patrim6nio natural, nao s6 para ganhar muito vendendo as esp6cies mais procuradas, como servindo de instrument para os ensaios de biotecnologia, envolvendo bilh6es de d61ares a long prazo e a perda do dominio sobre marcas e patentes. A agenda 6 grande. Alguns dos seus itens sHo preocupan- tes. Nenhum deles justifica, entretanto, que a espada da doutri- - na de seguranca national continue a ser a diretriz da political brasileira para as duas areas em que a fronteira foi dividida pelos geopoliticos do regime military: a area maior, coberta pelo Projeto Calha Norte, e a area menor, no flanco sudoeste da regiAo, pelo Proffao. Felizmente faltou a espoleta no detonador desses dois pro- jetos, que previam o amiudamento da presenga military e o incre- mento da colonizaqAo. Se o governor tivesse dinheiro e a socie- dade brasileira motivagio, os erros cometidos na margem sul do rio Amazonas ter-se-iam repetido na margem norte, cor desma- tamento, irracionalidade, caos social, um bumerangue que se volta contra quem o atira. Uma certa dose de sensacionalismo e exagero na aborda- gem do narcotrAfico, do interesse estrangeiro e da biopirataria podem dar ao modelo de interpretaiAo geopolitica da Amaz6- nia o combustivel, que faltou no ocaso do regime military, para retomar essa corrida a calha norte do Amazonas, corn os efei- tos que ji comecam a ser observados em Roraima, o ponto mais avancado dessa fronteira econ6mica. Histeria nunca foi diretriz para nada, seja para que lado for, A esquerda, a direita, ou mesmo em cima do muro. A gestao da fronteira deve ser um tema aberto, que pode (e deve) ser discutido em qualquer f6rum, inclusive entire os passes vizinhos. Ao inv6s de fazer do Pacto Amaz6nico um event iso- lado e eventual, cujo formalismo serve bem aos diplomats, mas nem sempre A nacgo, o Brasil deveria proper uma rodada per- manente de encontros corn os representantes das naqOes amaz6- nicas, com especial atenao para a legitimidade desses represen- tantes (nao apenas burocratas da capital e porta-vozes do poder central, mas gente estabelecida na pr6pria area). No meu entendimento, pelo menos dois pontos sao essenciais para uma just compreensro das fronteiras amaz6nicas. Um: o ecu- meno nao 6 melhor altemativa do que o suposto "espaco vazio". Deve-se aceitar e procurar entender o dominio da natureza antes de transforma-lo em pastagem, mineraao, estrada ou cidade. A coloni- zaOo (que continue a ser uma agressdo ao element natural) pode ser mais 6til a uma soberania national ret6rica, mas A custa da pos- sibilidade de forjar um melhor aproveitamento dos recursos natu- rais. Na experi&ncia da calha sul, o saldo 6 extremamente deficitrio. Outro ponto: em nenhum outro local do territ6rio brasileiro 6 maior e mais significativa do que ai a presence do indio. Ela nao deve ser apenas tolerada, mas encarada como um compo- nente human pelo menos tao fundamental quanto o do coloni- zador europeu e sua descend&ncia. A calha norte nao deve ser uma reedicio da ocupagao da calha sul do rio Amazonas. Agir dessa maneira significaria tomar essa regiao mais sus- cetivel A dominaCgo estrangeira ou ao crime organizado? Nao - creio. Nao 6 adensando a populacAo ou estendendo a atividade produtiva, estabelecida A base do desmatamento descontrolado, que se conseguiri harmonizar a soberania com a racionalidade, a intenoio de defender o patrim6nio corn a melhor maneira de utilizA-lo de fato. Apesar dos danos ji causados e de alguns perigos que se materializaram, o balango das fronteiras amaz6- nicas 6 superavitArio. Mas o saldo continuarA encurtando, em progressAo exponencial, se o govemo se mantiver em bergo es- plendido ou for penetrado pela teoria conspirativa da hist6ria. Ao menos at6 agora, nenhuma dessas situac6es 6 refra- tAria a andlise, revelacao e entendimento. Ou seja: os proble- mas, ainda em fase embrionaria ou cor menor grau de gravi- dade, podem ser enquadrados e resolvidos. A Amaz6nia nun- - ca esteve realmente ameacada, nem pelos cubanos antes, nem pela operacgo military conjunta comandada pelos Estados Uni- dos (que serviu de espantalho para justificar o Sivam, sem concorrencia piblica, acabando por favorecer a Raytheon, uma empresa americana), nem, agora, pelo narcotrifico, corn todo o seu poder e sua ameaga. Mais ameagadora, por6m, 6 a incapacidade que o govemo national continue a demonstrar de entender a Amaz6nia, agindo com eficiencia e discemimento em seus limits, ao inv6s de sim- plesmente trombetear e bater o bumbo. Por enquanto, o perigo maior nao esta al6m-fronteira (mesmo havendo muita gente e muita organizacAo corn prop6sitos e ac6es predat6rios visando a Amaz6nia), mas nos cavalos de Tr6ia espalhados pelo territ6rio amaz6nico. Tao eficazes que prescindem abrir as portas para a entrada de um invasor formalmente caracterizado. S6 havera um exercicio efetivo de soberania na Amaz6nia quando os brasileiros forem os que melhor conhecem e usam a regilo -e nao qualquer outra naqAo, povo, instituicgo ou cor- poragAo estrangeira. Eles nos respeitarAo mais quando alcan- carmos essa condikio (corn muita ciencia, tecnologia, educa- cAo, emprego, renda e lucidez) do que com a parafernmlia tec- nol6gica de um Sivam. JAhNBDO/2000 -AGENDA AAZ6NICA 9 Nosso colonialism Ao long da palestra, voce observa que o colonizado nao consegue ter uma visao aut6ntica. No final do s6culo XX, como mudar esse quadro e fazer com que estas riquezas sejam direcionadas para a populagao regional? (PROFESSOR CLODOALDO FERNANDES) Amazonia sofre duplo colonialismo, intemo e externo. O Estado national impOe-lhe diretrizes categ6ricas, estabelecidas de cima para baixo, cor base em esquemas mentais e intelectuais definidos nos centros de poder national, nenhum deles localizado na Amaz6nia. Algumas dessas diretrizes foram estabelecidas em alianca cor nag6es ou corpo- rag6es estrangeiras. Outras, sao cria6oes isoladamente nacionais ou intemacionais. Muitas dessas iniciativas foram pioneiras ou vanguardistas, desencadeando processes irreversiveis, formando um certo tipo de cultural que se enraizou, como se fosse autenti- ca, native. A hist6ria recent da Amaz6nia vem transcorrendo aos saltos, criando vAcuos nos quais a populagAo native mergu- lha, perdendo sua identidade e tornando-se incapaz at6 mesmo de entendero que acontece diante dos seus olhos. Ou at6 de ver o que acontece (nem dos fatos se sabe). O process de descolonizacio raramente foi consumado. Mesmo quando se completou, deixou uma tal destruicio que a recuperagAo do poder decis6rio nao foi suficiente para garantir um destino melhor aos povos que se libertaram. A Africa corn mais enfase, mas tamb6m a Asia, exibem ao mundo testemunhos pat6ticos e cru6is desse process. A um mundo que engendrou grande parte das causes desse impasse, mas nao se senate vexado de reagir corn espanto e indignacio ao desabrochar das mis sementes que plantou. Conseguir~ a Amaz6nia, no novo s6culo, escapar A regra geral desse destiny colonial dado a outros povos, assemelhados aos nossos, nos s6culos anteriores? Essa 6 uma dfivida angusti- ante. A resposta, se hi, nao pode ser obtida com tranqUilidade, facilmente. Os m6todos de explorag o se sofisticaram tanto que muita gente consider o colonialismo uma reminiscencia do pas- sado, aceita apenas atrav6s de neologismos relativizadores (como o do neocolonialismo). Em sua essencia, entretanto, ele perma- nece muito vivo. Ajustado A 6poca, 6 claro, mas mantendo sua caracteristica bdsica: alguns povos definindo a vida de outros de 10- JANEIRO/2000 AGENDA AMAZNICA tal maneira que se beneficiam muito mais da utilizaclo econ6mi- ca dos seus fatores de riqueza (recursos naturais, mao-de-obra e at6 poupangas). Isso ocorre porque os colonizadores sabem mais sobre a * terra, a cultural e a potencialidade da col6nia do que os coloni- zados. Sabem o que querem. E sabem como obter o que preci- sam, sem a perturbagio de compromissos 6ticos ou morais vin- culados A.territorialidade. O enredo nao poderi ser subvertido, invertido e revertido, portanto, sem um combat cultural e po- litico como condi&co para uma nova ci8ncia, uma nova tecno- logia e novos modos de producao. Sem que os colonizados disponham de capacidade de previsao e antecipa&io superio- res A dos colonizadores, estarao fadados a derrota. Precisam ji estar em campo, preparados, quando chega o inimigo forineo para o combat. t precise tirar vantage de estarna terra so- bre o que a ela chega. Os marxistas reduzem o problema a luta de classes. Por isso, Karl Marx ficou ao lado da Inglaterra e nio da india na expansAo do capitalism, embora argumentando que apoiar o capitalism ingles era apenas um meio para superi-lo, o que o faria servir aos indianos no arremate do process. Mas quando essa evolucao ocorreria e a que preco? Ha um tempo e um custo para aqueles atores sociais deci- sivos, segundo a visio marxista: os trabalhadores estabelecidos no coragao do capitalism, nos eixos da roda do mundo. Ha . outro tempo e preco para os coloniais, periferia da miquina. Entre eles, muito anacronismo e formas primitivas deveriam ser necessariamente superadas para evoluirem. Teriam que ser sacri- ficadas. Podemos entender que esse custo hist6rico inclui indi- os, floresta e caboclos na Amaz6nia. Implica, entlo, negar o component especifico da regiao. Nela, sao permanentemente renovados, em uma velocida- de alucinante e numa sucessao descontinua, os embates entire o modern e o arcaico, o renovador e o conservador, o con- vencional e o novo, novas formas de exploraiAo e a possibili- dade de um desenvolvimento end6geno. Nao basta dispor de um esquema explicativo gen6rico. t precise enfrentar cada caso, de olho bem aberto e mente livremente receptive. Sendo uma area nova e criando situac6es de vanguard (em casos- limites), a definicio de cada capitulo ainda tem um grau de abertura razoAvel. Eles foram concebidos para servir ao coloni- zador. Mas o colonizador pode nao sair tdo lucrativamente como imaginou. Pode ate nio sair vencedor. A Amaz6nia tomou-se um tema mundial. Isso 6 bom, mes- mo cor todas as suas distorcoes, ainda que essa universalizacao sirva a todos os tipos de interesses. O reconhecimento da Ama- z6nia como patrim6nio da humanidade 6 visto como a ante-sala do imperialismo, da anexacio. E uma possibilidade. Mas 6 um * risco incomparavelmente menor do que, sob esse status, a regiao poder encontrar uma protecio contra a pilhagem nao s6 dos estrangeiros, como tamb6m dos nacionais. Logo, o combat cultural amaz6nico ter o tamanho do 1 mundo. Deve-se enfrentA-lo em Sao Paulo, Brasilia, Nova York ou T6quio. Nesses centros, 6 tarefa fundamental conquistar a simpatia e provocar o interesse de instituiCOes e pessoas, quanto mais independents do poder estabelecido (e igualmente dota- das de poder pr6prio), melhor. Traze-los para o sftio amaz6nico, fazendo-os transferir seu patrim6nio cultural para ci e subme- tendo-os a um debate no qual a nossa inica grande arma 6 estarmos permanentemente aqui, capazes de entender o conti- nuum hist6rico por inteiro, nao apenas um dos seus segments, uma de suas facetas, uma verdade superficial ou utilitAria (a Ama- z6nia 6 o resultado da equacgo entire mundo natural e mundo human numa potencia sem igual em outro lugar do planet, segundo uma ponderamAo de fatores a estabelecer). Queremos metodologias, instruments, equipamentos, la- borat6rios e tudo o que o primeiro mundo tem de melhor, sem o que dificilmente estaremos em condig6es de nos anteciparmos ao colonizador. E confiamos em que temos a razAo. Na nossa capacidade de conquistar a comunidade intellectual do mundo, fazendo-a respeitar-nos. E assim desfazer os arguments do colonizador. Se ha uma especificidade amaz6nica, se a Amaz6nia nao 6 apenas uma indistinta parte dos tr6picos imidos, como de fato nao 6, entAo 6 possivel que aqueles que Ant6nio Gramsci chamou de intelectuais organicos, aquela parcela da humanidade encarregada da transmissAo do saber in- dependentemente de suas motivaoges ou serventias, aceitem nossa expertise e sir- -vam de apoio para nossa luta anticoloni- al. E claro que o sucesso nao se restringe a esse combat intellectual, cultural ou academico. Ha o front social, politico e econ6mico. Mas o saber 6 a condicao ini- cial fundamental para a Amaz6nia. Antes, por6m, 6 precise despertar, ar- mar e apoiar o interesse dos amaz6nidas. Eles estUo na condiiao de povos coloniza- dos. Logo, parecem mais ligados agora via internet ao mundo sedutor, glamourizado e atraente criado pela propaganda do que a sua insossa provincia. Precisam ser convencidos de que dedi- car todas as suas capacidades a Amaz6nia 6 a melhor das deci- s6es que podem tomar. Nao para se tornarem intelectuais niilis- tas, meramente outsiders. Mas para enfrentar o inimigo em seu pr6prio campo, cor suas pr6prias armas. Qual a agenda amaz6nica essencial? Esta 6 a primeira gran- de tarefa. Devemos nos tomar capazes de identificar, avaliar e saber definir operacionalmente as principals quest6es em curso, aquelas que foram mal definidas e as que ainda precisam ser colocadas sobre as pranchetas. Dois imensos desafios j! estio postos diante de n6s: nossa economic mineral, com suas parcas extens6es siderirgicas e me- tal(rgicas, e a provincia energ6tica a qual nos querem reduzir. Esses dois condutos deveriam estar ligados para levar a uma base manufatureira de ponta. Mas uma etapa dessa hist6ria estA sendo arrematada e nos deixamos manter na condicao de col6- nia de velho tipo. Os que criaram os problems agora usam-nos como justificativa para nosso retardamento na escala do proces- so produtivo. Sabem que podet nos manipular. Nao domina- mos essa temntica. Outro dia, ouvindo falar o embaixadorJ6rio Dauster, pre- sidente da Companhia Vale do Rio Doce (depois de ter sido o negociador da divida externa brasileira sob a administration Collor), um verdadeiro intellectual, invadiu-me a sensaCgo da derrota nesse capitulo, da combinacAo de energia cor min6- rios para gerar produtos de maior valer agregado, multiplica- dores de renda. A CVRD lamenta nao poder tender os pedidos do gover- nador Almir Gabriel para verticalizar a produqAo mineral de Carajis. Falta energia, explica o doutor Dauster. E falta mesmo. Basta analisar o balanoe da hidrel6trica de Tucurui, agora in- terligada a todo o sistema energ6tico national (excluida a Ama- z6nia Ocidental). Mas quando o primeiro trem de min6rio saiu de Carajas havia disponibilidade de energia para montar um parque siderirgico no vale do Tocantins, das places aos laminados. Ao inv6s disso, um terco da produ- Aco da usina ficou comprometido com as fibricas de aluminio da Albris e da Alu- norte, outro terqo foi para o Nordeste e o restante dividido entire as maiores cidades na area de abrang6ncia. A interligaqAo a CHESF, Fumas e outras concessionarias fez o Parn perder o control da hidrel6trica ins- talada no seu territ6rio. Com o agravante de que o consumidor dos outros Estados, isentos do ICMS, tem energia mais barata. A duplicacAo de Tucurui, sob tais parAme- tros, 6 t~o complicada que deixari de exer- cer o traditional efeito multiplicador dentro do Estado. O Pari dos nossos dias 6 uma classica provincia energ6tica, transferindo volumes cada vez maiores de energia bruta para fora das suas divisas. Quem compete essa estupidez (por omissao que seja), paga caro por ela. Criamos, entdo, uma limita4Ao que nao havia. Nem era inevi- tAvel que ela fosse estabelecida. Mas como nao pensamos a long prazo, por imprevid8ncia e incompetencia (al6m da mi-f6 de al- guns), devido a nossa condiqio colonial, desperdicamos um po- tencial. Agora teremos que recorrer a outro tipo de tecnologia, raciocinando a partir de carencias e nao de disponibilidades. Em cima desse pressuposto, os cearenses foram mais ri- pidos e inteligentes do que n6s. Reuniram min6rio de Carajas, gas do Rio Grande do Norte e tecnologia ajustada para instalar a primeira grande usina siderdrgica do Norte-Nordeste. Por fa- tores locacionais naturais, o sitio dessa siderdrgica teria que ser o Park. Colonizados, somos deixados para trAs quando a transformarno de mat6rias-primas da um pass al6m na escala do beneficiamento. E o castigo por nao criarmos uma cultural de Estado minerador e energ6tico. A guerra nao estA perdida. Mas jd perdemos muito tempo, desperdigamos recursos valiosos e continuamos tentando muito lentamente do que o necessario nos atualizar ao nosso tempo, a nossa hist6ria. Se continuar assim, a margem de recuperago se alargard tantoque, infelizmente, nos juntaremos aos povos colo- niais que nWo conseguiram alcangar a autonomia. JANEIRO/2000 AGENDA AMAZONICA 11 MEMORIAL Temos aeroporto international. Mas e os v6os? Bel6m voltou a contar cor um aeroporto de padrAo intemacional. O projeto pode ser controversy, mas o termi- nal de passageiros conta cor os equipamentos e as condi- c6es exigidas de um aeroporto de qualidade mundial. O problema 6 que Bel6m 6 servida por um ntmero cada vez menor de v6os internacionais. Da capital paraense s6 6 possivel sair para Miami, nos Estados Unidos, e Caiena, na Guiana Francesa. Mas a Varig ja estaria pensando em redu- zir a viagem para Miami a uma freqiiUncia. E como no Bra- sil tamb6m o uso de avido ter sido contido pela crise eco- n6mica, que tem corroido o poder aquisitivo do consumi- dor, o aeroporto fica ocioso a maior parte do dia. Por isso, suas poucas lojas vendem abaixo da expectativa, investindo menos do que requer um aeroporto classes mundial. Mas no passado a situagAo ja foi bem melhor. Esta pdgina abriga anincios da Varig e da Pan American publi- cados simultaneamente em julho de 1964, nas piginas da Folha do Norte, o journal mais influence de entAo. A Pan Am, dos Estados Unidos, a maior empresa de aviagAo dessa 6poca (mas ja extinta), anunciava que todos os domingos seus "luxuosos jatos DC-8" partiriam de Belem para Nova York, "servindo tamb6m a Paramaribo, Georgetown, Barbados e Antilhas". Ja pela Varig seria possivel ir tres vezes a Nova York, "sem conex6es, escalando em S. Domingo". O Boeing 707, o jato que rivalizava cor o DC-8 e, na serie, faria a Boeing destronar a Douglas, vinha do Rio de Janeiro, escalando na capital paraense. 0 passageiro de Belem embarcaria as 7,20hs e duas horas depois desceria em Santo Domingo. O pouso na Big Apple seria As 14,20hs, depois de "apenas 5 horas e 55 minutes de v6o". Hoje, quem quiser ir de Bel6m a Nova York tera que se deslocar ao Rio de Janeiro ou embarcar em outro v6o em Miami. -a--... MMeknmmmEAummmi . %.*dtL. za en tmi r. Azin rdt u fa 1 '4 a ua ft ..;. .. -Juda. r A. mm1: 4 a. -en t trsr. Is-n a s i kbn> Lb rM Is -' >*- I L. 4 I LtL u N O C ohnk IW t sn IaPDL .-rrnfi ( heri *,'.t o r.-o rnr *n.1 Wair 1m Ttu rt a ia?~wtgs-- :w( ^;)ti(i't D.-.*b~a~ .-, .. , PmjUIM'lrr 0 aw a orn r KfH^~VW S~a*( i6-l, wlkfrr ttA E.!l"aeN nwAX rur"'*'*-r *"W4 N Agorm, BELEM-EIA. A JATO PEI PAN AM I! mmU- -A\/ I.^7r 1f- ) y ise d nIim nwmo at Na YI&k. -) 4 k i Pj*WIt4 lt< AtmowuIr m o wmrktxr or anrl i0, m -cambta r mrbW fa pab. IHI amta c iuui - |if. de a. A Pan Amn ** &. r-*wtna vuwi & m--o A w- adhs r* T&rnaax -UmA aamfMr--iR Mt" dt Xflwnh mm. -, CWo& Om=a a=' U .."W iw..im a; t Ews...b" Onu S QQ 4 a it Bio fiwmA B AB Mi. Sfits4 *amIl. W)A m0 w".4 4iqm IA lw* PAINI Al KME ERICABRE ELIMv GRANDE HOTEL TEL. 4004 Na metade dos anos 60, Varig e Pan Am ofereciam quatro v6os semanais para NY (e ainda havia outros v6os para Miami e para a Europa, atrav6s de Lisboa, Porto ou Paris). Evoluimos? -^^rSv HS 1 Agenda Ainazoni-csa F :: , Travessa Benjamin Constant 845/203 Belm/PA 66.053-40 e-mail: jomalamamonnrm.h Telefones27690/24176 ~ ax) cgc luizantonideriapinto E ~--4". 'K 1Vij |